Saúde Pública e Abolicionismo Penal: a Campanha Nacional de Amamentação escancarando o problema.
Publicado 2025-12-17
Como Citar
Copyright (c) 2025 Leticia Maria Gil de Freitas, Beatriz Oliveira Santos

Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International License.
Resumo
O artigo faz uma análise da exclusão das mulheres encarceradas das políticas públicas e campanhas nacionais dirigidas ao apoio à amamentação, destacando essa omissão como parte da lógica racial que orienta o abandono organizado do Estado. Embora a amamentação seja amplamente reconhecida como fundamental para a saúde do bebê, da pessoa lactante e do planeta, as condições do sistema prisional tornam inviável a garantia desse direito. O cárcere, marcado pelas lógicas racial e punitivista, não é compatível com práticas de cuidado e vínculo implicadas no aleitamento humano. Analisamos a ausência e a presença na produção de normativas e políticas públicas dos campos da saúde pública e do direito, respetivamente, problematizando a distribuição da atenção à amamentação de pessoas privadas de liberdade entre esses campos a partir da noção crítica radical do sujeito moderno de direito mobilizada por Denise Ferreira da Silva. Desta forma, evidenciamos como essa exclusão não se deve a uma falha administrativa, mas a uma dinâmica estrutural do Estado, que opera para manter o encarceramento como ferramenta de controle racial, social e de gênero. Apoiadas nas perspectivas feministas abolicionistas de Ruth Wilson Gilmore e Angela Davis, propomos que enfrentar as questões relacionadas à amamentação no cárcere requer mais do que ajustes pontuais; exige o repensar da sociedade como um todo. A perspectiva abolicionista oferece um olhar crítico que denuncia a inadequação do cárcere para garantir direitos fundamentais e aponta para a necessidade urgente do desencarceramento como condição para a promoção de uma saúde pública e integral.
Downloads
Referências
- Braga, A. G. M., & Angotti, B. (2015). Da hipermaternidade à hipomaternidade no cárcere feminino brasileiro. SUR, 12(22), 229-239.
- Brasil. (2019). Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Ministério da Saúde.
- Costa, J. F. (1999). Ordem Médica e Norma Familiar (4.ª ed.). Graal.
- Da Silva, D. F. (2019). A Dívida Impagável. Casa do Povo.
- Da Silva, D. F. (2022). Homo Modernus — Para uma ideia global de raça. Editora Cobogó.
- Davis, A. Y., Dent, G., Meiners, E. R., & Richie, B. E. (2023). Abolicionismo. Feminismo. Já. Companhia das Letras.
- Diuana, V., Corrêa, M. C. D. V., & Ventura, M. (2017). Mulheres nas prisões brasileiras: tensões entre a ordem disciplinar punitiva e as prescrições da maternidade. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 27(3), 727-747. https://doi.org/10.1590/s0103-73312017000300018
- Donzelot, J. (1980). A política das famílias. Graal.
- Fazzioni, N. H., & Kalil, I. R. (2024). Gênero, saúde e amamentação: representações e discursos no Brasil contemporâneo. Sexualidad, Salud y Sociedad: Revista Latinoamericana, 40. https://doi.org/10.1590/1984-6487.sess.2024.40.e22215.a.pt
- Fochi, M. C. S., Higa, R., Camisão, A. R., Turato, E. R. & Lopes, M. H. B. M. (2017). Vivências de gestantes em situação de prisão. Revista Eletrônica de Enfermagem, 19, e57. https://doi.org/10.5216/ree.v19.46647
- Freire, M. M. (2008). «Ser mãe é uma ciência»: mulheres, médicos e a construção da maternidade científica na década de 1920. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 15(supl.), 153-171. https://doi.org/10.1590/S0104-59702008000500008
- Germano, I. M. P., Monteiro, R. A. F. G., & Liberato, M. T. C. (2018). Criminologia crítica, feminismo e interseccionalidade na abordagem do aumento do encarceramento feminino. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(2), 27-43. https://doi.org/10.1590/1982-3703000212310
- Gilmore, R. (2024). California Gulag: prisões, crise do capitalismo e abolicionismo penal. Igrá Kniga. (Obra original publicada em 2007)
- Gilmore, R. W. (2025). Geografia da Abolição: Ensaios rumo à libertação (H. R. Candiani, Trans.). Boitempo.
- Guimarães, M. L., Guedes, T. G., De Lima, L. S., Morais, S. C. R. V., Javorski, M. & Linhares, F. M. P. (2018). Promoção do aleitamento materno no sistema prisional a partir da percepção de nutrizes encarceradas. Texto & Contexto - Enfermagem, 27(4), e3030017. https://doi.org/10.1590/0104-07072018003030017
- Marques, M. B. (2000). Discursos médicos sobre seres frágeis. Fiocruz.
- Matos, M. (2007). Corpo: âncora de emoções: trajetórias, desafios e perspectivas. Opsis. 7(8), 11-32.
- Ministério da Saúde. (n. d.). Campanha Nacional de Amamentação. Acceso Junho 9, 2025, de https://www.gov.br/saude/pt-br/campanhas-da-saude/2024/amamentacao/campanha-nacional-de-amamentacao
- Ministério da Saúde. (2014). Gov.Br. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/pri0001_02_01_2014.html
- Ministério da Saúde. (2024, Agosto 1). Ministério da Saúde lança campanha de amamentação com foco na redução de desigualdades.https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/agosto/ministerio-da-saude-lanca-campanha-de-amamentacao-com-foco-na-reducao-de-desigualdades
- Nogueira, A., Mariane Vasconcelos Ferreira, B., Vanessa Ferreira de Azevedo Costa, L., César Bernardino da Silva, J., Cruz Gouveia Câmara Guerra, M., & Lucinda Andrade Albuquerque, N. (2020). Aleitamento materno no sistema penitenciário: sentimentos da lactante. Revista Ciência Plural, 6(1), 18-31. https://doi.org/10.21680/2446-7286.2020v6n1id18255
- Oliveira, L. V., Miranda, F. A. N., & Costa, G. M. C. (2015). Vivência da maternidade para presidiárias. Revista Eletrônica de Enfermagem, 17(2), 360-369. Universidade Federal de Goiás. https://doi.org/10.5216/ree.v17i2.29784
- Rios, G. S., & Silva, A. L. (2010). Amamentação em presídio: estudo das condições e práticas no Estado de São Paulo, Brasil. BIS, Boletim do Instituto de Saúde (Impresso), 12(3), 293-299. https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1047702
- Santos, B. O., Tarrão, M. Y. A., Olivar, J. M. N., & Lourenço, B. H. (2024). Aleitamento materno exclusivo entre pessoas em situação de cárcere: abordagem interseccional e abolicionista para análise da produção científica no Brasil entre 2000 e 2022. Saúde e Sociedade, 33(1). https://doi.org/10.1590/s0104-12902024230657pt
- Saúde Prisional - Portal CNJ. (2019, Setembro 12). Portal CNJ. https://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario/saude-prisional/
- Secretaria Nacional de Políticas Penais. (2025). Levantamento de Informações Penitenciárias: 17° Ciclo. Sistema Nacional de Informações Penais. https://www.gov.br/senappen/pt-br/servicos/sisdepen/bases-de-dados
- SEI/MJ - 11773094 - Portaria Interministerial no 210. (2014). Gov.br. https://dspace.mj.gov.br/bitstream/1/361/3/PRI_GM_2014_210.html
- Schiebinger, L. (1998). Mamíferos, primatologia e sexologia. In: R. Porter e M. Tech (Eds.). Conhecimento sexual, ciência sexual. (2ª ed). Unesp.
- Toma, T. S., & Rea, M. F. (2008). Benefícios da amamentação para a saúde da mulher e da criança: um ensaio sobre as evidências. Cadernos de Saúde Publica, 24(suppl 2), s235-s246. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2008001400009
- Vianna, A., & Lowenkron, L. (2017). O duplo fazer do gênero e do Estado: interconexões, materialidades e linguagens. Cadernos Pagu, (51). https://doi.org/10.1590/18094449201700510001
- Vieira, E. M. (2002). A medicalização do corpo feminino. Fiocruz.
