v. 10 n. 2 (2025): Lactancias humanas, cuidados e interseccionalidad
Dossier

Saúde Pública e Abolicionismo Penal: a Campanha Nacional de Amamentação escancarando o problema.

Leticia Maria Gil de Freitas
Programa de Pós Graduação em Antropologia Social da Universidade Estadual de Campinas
Beatriz Oliveira Santos
Programa de Pós Graduação em Antropologia Social da Universidade Estadual de Campinas

Publicado 2025-12-17

Como Citar

Gil de Freitas, L. M., & Oliveira Santos, B. (2025). Saúde Pública e Abolicionismo Penal: a Campanha Nacional de Amamentação escancarando o problema. Revista Uruguaya De Antropología Y Etnografía, 10(2). https://doi.org/10.29112/ruae.v10i2.2606

Resumo

O artigo faz uma análise da exclusão das mulheres encarceradas das políticas públicas e campanhas nacionais dirigidas ao apoio à amamentação, destacando essa omissão como parte da lógica racial que orienta o abandono organizado do Estado. Embora a amamentação seja amplamente reconhecida como fundamental para a saúde do bebê, da pessoa lactante e do planeta, as condições do sistema prisional tornam inviável a garantia desse direito. O cárcere, marcado pelas lógicas racial e punitivista, não é compatível com práticas de cuidado e vínculo implicadas no aleitamento humano. Analisamos a ausência e a presença na produção de normativas e políticas públicas dos campos da saúde pública e do direito, respetivamente, problematizando a distribuição da atenção à amamentação de pessoas privadas de liberdade entre esses campos a partir da noção crítica radical do sujeito moderno de direito mobilizada por Denise Ferreira da Silva. Desta forma, evidenciamos como essa exclusão não se deve a uma falha administrativa, mas a uma dinâmica estrutural do Estado, que opera para manter o encarceramento como ferramenta de controle racial, social e de gênero. Apoiadas nas perspectivas feministas abolicionistas de Ruth Wilson Gilmore e Angela Davis, propomos que enfrentar as questões relacionadas à amamentação no cárcere requer mais do que ajustes pontuais; exige o repensar da sociedade como um todo. A perspectiva abolicionista oferece um olhar crítico que denuncia a inadequação do cárcere para garantir direitos fundamentais e aponta para a necessidade urgente do desencarceramento como condição para a promoção de uma saúde pública e integral.

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