DOI: 10.29112/ruae.v10i2.2553
Dossier
Filhos biológicos, de “leite” e da “madame”:
a vida entre o cuidado como obrigação, ajuda e profissão
Hijos biológicos, de «leche» y de la «patrona»: la vida entre el cuidado como obligación, ayuda y profesión
Biological children, “foster children” and the “boss’s” children: life between care as obligation, help and profession
Olivia Nogueira Hirsch1 ORCID: 0000-0002-7611-8713
1 Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. olivianh@gmail.com
Resumo
Nesse artigo, parte de uma pesquisa mais ampla sobre o tema da amamentação cruzada, analiso a trajetória de uma mulher negra, hoje idosa, proveniente da favela da Rocinha, localizada no Rio de Janeiro, Brasil. A partir de sua narrativa procuro explorar a multidimensionalidade da experiência de aleitamento – como cuidado, trabalho, dom, alimento, afeto, relacionalidade, dentre outras. No que se refere ao cuidado, sua narrativa enseja uma reflexão sobre a pluralidade de formas e relações através das quais este trabalho se exerce, em especial em sociedades marcadas por profundas desigualdades sociais. Analiso sua inserção em diferentes “circuitos de cuidado”: como ajuda, obrigação e profissão (Guimarães e Vieira, 2020). Assim, se no contexto das trocas com mulheres da vizinhança o trabalho se assenta em uma relação de horizontalidade e simetria, no “circuito” onde o cuidado era remunerado estava explícita a relação de hierarquia, ainda que com toda a ambiguidade que caracteriza o trabalho doméstico no Brasil, permeado por afetos e antagonismos.
Palavras-chave: amamentação cruzada, camadas populares, cuidado, interseccionalidade.
Resumen
En este artículo, parte de un proyecto de investigación más amplio sobre el tema de la lactancia cruzada, analizo la trayectoria de una mujer negra, ahora anciana, de la favela Rocinha en Río de Janeiro, Brasil. A través de su narrativa, busco explorar la multidimensionalidad de la experiencia de la lactancia materna: como cuidado, trabajo, don, alimento, afecto, relacionalidad, entre otras. En cuanto al cuidado, su narrativa invita a reflexionar sobre la pluralidad de formas y relaciones a través de las cuales se ejerce este trabajo, especialmente en sociedades marcadas por profundas desigualdades sociales. Analizo su inserción en diferentes «circuitos de cuidado»: como ayuda, obligación y profesión (Guimarães y Vieira, 2020). Así, si en el contexto de los intercambios con las mujeres del barrio el trabajo se basa en una relación de horizontalidad y simetría, en el «circuito» donde se pagaba el cuidado la relación de jerarquía era explícita, aunque con toda la ambigüedad que caracteriza el trabajo doméstico en Brasil, permeado por afectos y antagonismos
Palabras clave: lactancia cruzada, estratos populares, cuidado, interseccionalidad
Abstract
In this article, part of a broader research project on cross-nursing, I analyze the trajectory of a Black woman, now elderly, from the Rocinha favela in Rio de Janeiro, Brazil. Through her narrative, I seek to explore the multidimensionality of the breastfeeding experience - as care, work, gift, food, affection, relationality, among others. Regarding care, her narrative prompts a reflection on the plurality of forms and relationships through which this work is exercised, especially in societies marked by profound social inequalities. I analyze her insertion in different “circuits of care”: as help, obligation and profession (Guimarães and Vieira, 2020). Thus, if in the context of exchanges with women from the neighborhood, work is based on a relationship of horizontality and symmetry, in the “circuit” where care was paid, the relationship of hierarchy was explicit, albeit with all the ambiguity that characterizes domestic work in Brazil, permeated by affections and antagonisms.
Keywords: cross-breastfeeding, popular classes, care, intersectionality
Recebido: 06/05/2025
Aceito: 21/08/2025
Era 1996 quando o Ministério da Saúde brasileiro instituiu a Portaria 2.415, que até hoje está em vigor e contraindica a prática de uma mulher amamentar um bebê que não seja seu filho biológico, o que tem sido tecnicamente chamado de “amamentação cruzada”. A normativa foi instituída com o objetivo de evitar o contágio de doenças através do leite materno. Até aquele momento a amamentação cruzada era uma prática amplamente disseminada[1], especialmente em zonas rurais e entre as camadas populares, onde é comum o compartilhamento dos cuidados das crianças (Fonseca, 2002, 2006; Sarti, 2011; Fernandes, 2011; Echazú Böschemeier, 2014, dentre outras).
Janaína[2], mulher negra, brasileira, moradora de uma favela no Rio de Janeiro, tinha 42 anos na época em que a portaria foi instituída. A essa altura já era avó. Quando teve seus 4 filhos biológicos, entre os 14 e os 19 anos de idade, praticara a amamentação cruzada “sem escrúpulos”, segundo contou. “Os filhos da gente mamava em quem queria. E os filhos dos outros também mamava em mim a hora que queria”, explicou, sinalizando como o ato pode ser realizado a partir de uma demanda das próprias crianças. Janaína foi uma das mulheres que entrevistei como parte de um estudo sobre o tema da amamentação cruzada que tenho desenvolvido junto a um grupo de mulheres da favela da Rocinha, uma das maiores favelas da América Latina, localizada no Rio de Janeiro.
Do estudo participaram mulheres, em sua maioria pretas e pardas, de diferentes gerações, isto é, aquelas que, como Janaína, amamentaram outras crianças antes de 1996, ano da contraindicação pelo MS, e aquelas, mais jovens, que realizaram o ato após esse período. Ao todo foram feitas 15 entrevistas, sendo 10 com lactantes de diferentes gerações que chamarei de “doadoras”, 3 com mulheres cujos bebês foram amamentados por outras e 2 com adultos que foram amamentados durante a infância por mulheres que não eram suas mães biológicas[3]. Gostaria de ressaltar que na Rocinha o termo “amamentação cruzada” nunca é utilizado, sendo privilegiadas as expressões “mães” e “filhos de leite”.
Nesse artigo pretendo me ater à narrativa de Janaína, que na época da entrevista tinha 69 anos, pela riqueza de seus relatos e por permitir explorar a multidimensionalidade da experiência de aleitamento – como cuidado, trabalho, dom, alimento, afeto, relacionalidade, dentre outras. Além de amamentar seus filhos biológicos, ela também aleitou diversas crianças da vizinhança e compartilha os cuidados dos netos e bisnetos – oferecendo o peito até hoje, ainda que apenas como forma de acolhimento. Além disso, ela trabalhou durante muitos anos como doméstica. Isto é, Janaína passou a vida dedicada ao “trabalho reprodutivo” (Colen, 1995), função que viabiliza o trabalho produtivo, porém é altamente desvalorizada.
No que se refere ao cuidado, a partir de sua narrativa procuro refletir sobre a pluralidade de formas e relações através das quais este trabalho se exerce - em especial em sociedades marcadas por profundas desigualdades sociais, como apontam Guimarães e Vieira (2020). As autoras sugerem que esta pluralidade poderia ser sistematizada, para fins analíticos, a partir de diferentes “circuitos de cuidado”: como obrigação, ajuda e profissão. Ao longo do artigo, analiso a inserção de Janaína em todos esses “circuitos”. E se no contexto das trocas com mulheres da vizinhança, seu trabalho se assenta em uma relação de horizontalidade e simetria, no “circuito” onde o cuidado era remunerado estava explícita a relação de hierarquia, ainda que com toda a ambiguidade que caracteriza o trabalho doméstico no Brasil, permeado por afetos e antagonismos.
Estive com Janaína algumas vezes durante a pesquisa, pois Marcelle, sua “neta”, é minha principal interlocutora e elas moram no mesmo terreno, em casas contíguas. Parte das vezes em que estive na casa de Marcelle visitei também a casa de Janaína e de Nirinha, que era sua companheira e é mãe biológica de Marcelle, como será exposto adiante. Contudo, o material analisado nesse artigo baseia-se principalmente em uma entrevista semiestruturada, que durou cerca de 1h30 e foi realizada no final do ano de 2023, na casa de Janaína. A pesquisa sobre “amamentação cruzada” teve início em 2019 e foi interrompida pela pandemia, tendo sido retomada em meados de 2023.
Apresentação
Janaína era a única menina de uma família de vários irmãos. A mãe faleceu quando ela era criança, depois de levar um tombo na rua. A partir desse momento, disse ela, “não liguei mais para a escola”. Janaína abandonou os estudos no 3º ano do fundamental e aos 14 engravidou da primeira filha. Quando completou 19 já tinha 4 filhos. Alguns anos depois conheceu Nirinha e as duas foram morar juntas. Elas viveram em união homoafetiva por mais de 50 anos - até a morte de Nirinha, em fevereiro de 2025.
Juntas, construíram a casa onde moravam na Rocinha e uma casa na “roça”, como Janaína costuma dizer, em uma zona rural na região metropolitana do Rio de Janeiro. Elas haviam se mudado para lá, até Nirinha ser acometida por uma doença severa que levou ao seu falecimento. As duas também tinham um terreiro de umbanda na Rocinha, onde atuavam como mães de santo. Os trabalhos espirituais são hoje conduzidos por Marcelle, filha biológica de Nirinha e “neta” de Janaína.
Marcelle tem dois filhos biológicos e um deles, Paulo, de 8 anos, é o “xodó” da “bisa”, como ele se refere à Janaína. Devido ao estigma associado às relações homoafetivas, durante muitos anos Janaína e Nirinha não se apresentaram como um casal, nem mesmo para filhos e netos. Foi assim que, para os filhos de Nirinha – ela teve dois biológicos em relações extraconjugais e um adotivo – a companheira da mãe sempre foi chamada e considerada “avó”, já que era 7 anos mais velha do que Nirinha.
Durante o longo período em que estiveram juntas, as duas sempre acolheram em casa amigos e parentes que precisavam de abrigo. O local (composto por sala, 2 quartos, cozinha e banheiro) costumava, quando elas estavam por lá, ser bastante movimentado. Algumas crianças ficavam durante o dia, aguardando que suas mães as buscassem depois do retorno do trabalho.
Vivências lácteas e suas regulações: filhos biológicos
Quando deu à luz a primeira filha Janaína descobriu que sua produção de leite era muito grande. Na maternidade, além da filha, amamentou ainda outros 5 ou 6 recém-nascidos, a pedido das mães que apresentavam alguma dificuldade em relação à amamentação. Começava aí sua experiência com a amamentação cruzada.
Quando ganhei a minha primeira filha lá no hospital, ganhei ela umas 10 horas da noite. De manhã cedo, meu peito tava tão cheio que molhou a minha roupa toda e molhou a cama. A enfermeira veio trocar meu lençol. “Janaína, mas o que é isso? Isso é leite?” “Não sei o que é, não. Eu sei que eu tô toda molhada”. Ela falou: “é o leite”. (…) Eu sempre tive muito leite de peito. Disso eu não reclamo de jeito nenhum, porque eu sempre tive leite pros meus filhos e pros filhos dos outros.
Ela amamentou todos os filhos, mas a mais velha largou o peito aos dois meses, depois que Janaína ofereceu uma mamadeira. “Pra quê que eu dei aquela mamadeira?”, lamenta. Os outros dois mamaram até “um ano e pouco, dois anos” e a caçula seguiu até os seis anos, a despeito da recomendação do pediatra para que interrompesse o aleitamento, pois a criança estava com sobrepeso.
Ela com seis meses o médico me pediu para tirar o peito dela. Aí eu olhei… que ela era muito gorda. Aí o médico: “Mãe, está na hora de tirar o mamá e dar sopinha de comida”. E sopinha eu já cansava de dar já há muito tempo. Com três para quatro meses eu começava a dar sopa para eles tudo. Por isso que sempre foi tudo monstro, tudo gordão.
Mesmo considerando o leite materno “muito essencial para a criança”, especialmente por entender que nas situações de doença é um recurso fundamental caso a criança recuse outros alimentos, Janaína conta que entre um e dois meses começava a dar leite de vaca para os filhos. Com três para quatro meses ela introduzia sopinha. Na sua avaliação, a introdução desses alimentos, combinados ao leite materno, fazia com que seus filhos “desmaiassem de dormir”. Assim, ela podia “fazer as coisas”, referindo-se ao trabalho doméstico não remunerado que, como apontam Guimarães e Vieira, trata-se de uma “dimensão importante do trabalho de cuidado, desempenhado com o sentido de ‘obrigação’” (2020, p. 166), em geral pelas mulheres. Sopesando limites e possibilidades, Janaína não acatou a recomendação de interrupção da amamentação nem as orientações para estabelecer horários fixos para a mamada:
Me pedia, eu dava. Chorava, eu dava peito. Eu nunca tive esse negócio de 3 em 3 horas. O pediatra falava: “Mãe, mamá de 3 em 3 horas”. Eu falava: “Tá bom”. Mamava a hora que queria. Eu não podia botar no colo ou então eu ia mudar a fralda e eles começavam a gritar, eu dizia assim: “É peito”. Aí mamava, pronto. Ficava quieto.
Segundo Natália Fazzioni (2021), a alimentação das crianças pequenas é um aspecto central no que se refere às regulações que permeiam o escrutínio médico nessa fase da vida, e que se baseia em modelos ideais de maternidade e cuidado. A autora fez pesquisa em uma unidade de atenção primária em saúde no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, e chama atenção para o fato de que as mães nem sempre aderiam às prescrições médicas, pois o que era considerado como o melhor para a saúde de seus filhos por parte dos profissionais, nem sempre era o que elas consideravam como possível ou mesmo desejável, considerando seus valores e visão de mundo. Fazzioni (2021) destaca como normas e moralidades são negociadas e ressignificadas a partir das situações cotidianas, levando em conta “possibilidades, desejos e improvisos”.
Amamentação cruzada: “dom”, necessidade, reciprocidade e solidariedade
Além dos filhos e dos bebês da maternidade, Janaína diz ter perdido as contas de quantas crianças amamentou. “Tem muitas que eu já nem me lembro mais, que já tudo cresceram, já tem filho, é avó, é avô”. As situações são diversas: desde vizinhas que diziam ter pouco leite ou o bico ferido e batiam em sua porta pedindo que aleitasse os filhos até as situações em que a mãe tinha saído para trabalhar e a pessoa, cuja criança estava sob seus cuidados, recorria a ela. Quando o acesso ao bebê não era fácil, ela colocava o leite em vidros para que pudessem levar.
Meus peitos viviam vazando. Eu vivia com fralda dobrada dentro do sutiã. (…) E eu gostava de amamentar. Eu achava bonito que eles ficavam de barriguinha cheia. Tirava do peito e eles davam aquele arroto grandão. Eu dizia assim: “Ai, eu tenho muito leite, eu tenho que amamentar essas crianças todas”.
Em outra parte de seu depoimento, ela comenta:
Eu gostava de dar mamá porque meu peito enchia mesmo. Dava íngua debaixo do braço. Ficava duro o peito. Aí eu gostava que as crianças mamavam.
Nos trechos reproduzidos subjaz tanto uma noção de “dom”, associada ao fato de produzir muito leite, e de “missão” (que se manifesta na expressão “ter que”), por se sentir portadora desse dom, quanto o reconhecimento de uma necessidade imposta pela própria “natureza do processo reprodutivo que imprime e marca seu(s) corpo(s) (sinais de “prontidão” dos peitos: vaza, incha, fica duro)” (Nakano, 2003, S359). O “dom”, que se manifesta no corpo, traz prestígio, prazer e satisfação, mas também é uma exigência. Não se trata de uma escolha.
Ainda no âmbito do “circuito das ajudas” (Guimarães e Vieira, 2020), Janaína comenta que as vizinhas costumavam deixar os filhos sob seus cuidados quando iam lavar roupa, por estarem certas de que poderiam contar com ela para amamentá-los, caso necessário. Não havia água encanada e as mulheres lavavam roupa em bicas comunitárias.
Naquela época a gente não lavava roupa em casa. Lavava lá no mato. Aí muita mãe deixava as crianças comigo. Era muita criança pequena dos outros que ficava comigo. E as crianças que mamavam, a gente nem se preocupava. “A Janaína tem peito lá. Deixa ela que ela dá mamá lá”. E eles tudo mamavam de mim.
Em outro trecho da entrevista, ela complementa:
As crianças gostavam de mim. Muito. Aí quer dizer, eu nunca maltratei, eu sempre tratei com carinho, com tudo. Se era de mingau, eu dava mingau. Se era de peito, eu dava mamá. Se era de comida, eu dava comida. Tinha vez que eu fazia comida lá em casa pra 10 crianças. E todos eles comiam. Porque eles eram muito agarrados comigo.
Olivia - E essas dez crianças eram filhos…?
Filhos de vizinhos. Tudo ia lá pra casa. (…) Era dos pequenos aos grandes. Tudo andava atrás de mim.
(Às vezes eu dizia) “Hoje eu não vou fazer comida pra ninguém”. “Ah, Ina, a gente veio pra comer”. “Mas hoje eu não quero fazer comida. Não quero fazer comida pra ninguém”. Eles voltavam tudo triste pra casa. “Mãe, me dá comida aí que a Ina não deu comida pra ninguém. A Ina falou que não quer fazer. E me dá um pouquinho pra mim levar pra ela, que ela também vai comer um pouquinho daqui”. Era assim.
A amamentação cruzada, dentre outras dimensões - como dom, missão e necessidade fisiológica - aparece no relato de Janaína também como parte das atividades que integram o cuidado. Enquanto as mães iam lavar roupa, ela se ocupava das crianças e oferecia o peito para prover a alimentação. O quadro de precariedade, que se explicita na ausência de água encanada, exige que as mulheres se apoiem mutuamente. Ao mesmo tempo, o compartilhamento de cuidados resulta de um valor cultural. Como afirma Claudia Fonseca (2006): “Mesmo se certas práticas se iniciaram como estratégias de sobrevivência ad hoc, é inconcebível que, depois de dez gerações, não tenham adquirido um significado específico integrado a um modelo cultural” (p. 17).
Cynthia Sarti (2011) aponta que no contexto das camadas populares, o valor “família” constitui a referência simbólica que estrutura a experiência no mundo. Assim, da mesma forma que a família se estabelece a partir de obrigações morais, que unem aqueles que a integram, a identidade dos pobres também se constitui a partir de um referencial moral, no qual se inscreve um código de reciprocidade e solidariedade. Segundo a análise da autora, isso se dá pois,
Através dos valores positivos do trabalho e da família, criam, como fronteira do mundo dos pobres e trabalhadores, a adesão a um código de obrigações morais que delimita seu grupo de referência, como uma família. A percepção dos obstáculos por eles enfrentados na sociedade capitalista reforça a retradução da ordem social por valores não-capitalistas, na busca de afirmação de uma outra ordem moral na qual sua existência faça sentido (2011, p. 131)
De acordo com Sarti (2011), o morador da periferia tende a estabelecer uma relação muito próxima com a rede de vizinhança, com quem, não raro, compartilha a vida cotidiana e estabelece uma relação que é traduzida em termos de família, ou seja, em termos de obrigações morais. Na pesquisa que realizou na periferia de São Paulo, Sarti (2011) notou que enquanto os homens se relacionavam com vizinhos no espaço da rua, as mulheres se relacionavam principalmente a partir das atividades domésticas e do cuidado com as crianças.
Na mesma toada, Duarte e Gomes (2008), ao delinear o perfil de famílias populares, afirmam que a comensalidade, o acolhimento e a ampla circulação de pessoas nas casas, especialmente no que diz respeito às crianças, é uma característica do ethos de receptividade vigente - ainda que seja possível observar transformações, resultantes da difusão permanente de valores associados às “cosmologias modernas” [4]. As crianças são percebidas como personagens importantes nesse sistema ampliado de trocas, dinâmica que orienta toda a organização familiar, como também observou Fonseca (2006).
A dinâmica de compartilhamento de cuidados, mencionada no relato de Janaína, na realidade explicita o fato de que a relação de cuidado, como sugere Tronto (2007), não pode ser descrita como uma dualidade apenas entre quem o fornece e aquele que o recebe. No caso das crianças, por exemplo, a autora destaca como várias pessoas estão envolvidas nos cuidados e exercem influência significativa em suas vidas, mesmo que isso não seja reconhecido em outros contextos. Um ponto que gostaria de destacar a partir do depoimento de Janaína é que o cuidado dispensado às crianças da vizinhança, repleto de afeto e intimidade, é voluntário. É certo que existem obrigações morais, em especial em situações de necessidade, mas no cotidiano ela pode, eventualmente, se negar a realizar esse trabalho: “Hoje eu não quero fazer comida”. Sua negação enseja um ato de reciprocidade por parte das crianças, que tomam a iniciativa de pedirem às mães que a alimente, indicando que o cuidado também pode partir delas[5].
A “filha de leite” e a agência das crianças
Apesar de ter amamentado muitas crianças, Janaína considera apenas uma delas como sua “filha de leite”: Aline, filha de Berenice, de quem era vizinha.
Ela saía de lá (da casa dela) porque ela queria ficar pendurada no peito direto e a mãe dela não tinha paciência. Ela era a primeira filha dela. Então ela saía engatinhando. “Vai aonde, Aline?” “Vou na Ina”. Aí chegava lá em casa, engatinhando. Eu dizia assim: “Oi filha, meu brejeiro gostoso, você vai aonde?” “Mamá!” Ela chegava lá em casa, eu tinha o maior prazer, sentava, botava o peito pra fora, deitava ela no colo. E só largava o peito quando ela dormia, de barriga cheia.
Olivia - E ela tinha quantos anos?
Ela era bebezinha ainda, ainda ia fazer um ano. Mas ela era muito esperta, a Aline.
Contando um pouco mais sobre os motivos pelos quais Aline a procurava, ela acrescentou:
A Berenice falava assim: “Janaína, meu peito tá rachado. Essa garota quer ficar puxando, puxando. A garota já come comida, mas ela quer ficar puxando, não sei pra quê”. Eu dizia assim: “Berenice, a gente é mãe, tem que aturar. Tá vendo aí como é que é ser mãe?” Mas, os meu, todo mundo eu amamentei, não reclamava, não.
O posicionamento de Berenice revela os conflitos que não raro emergem na relação entre a mãe que amamenta e o filho lactente, a partir do desafio que se coloca entre ser um “corpo para o filho” e de ser um “corpo para si” (Nakano, 2003). Como aponta a autora, há uma tensão entre a individualidade da mulher e o exercício da maternidade. Dela se espera que seja capaz de prover os cuidados, muitas vezes renunciando a seus limites pessoais. Na nossa cultura, em que predomina um ideal de maternidade como sacerdócio, isto é, como uma experiência que envolve prazer, mas também sofrimento, deveres, responsabilidade e resignação (Badinter, 1985), espera-se que a mãe se adapte às necessidades da criança. A amamentação “reafirma, na prática, a emblemática condição de ‘ser uma boa mãe’” (Nakano, 2003, p. 362). O comentário de Janaína está em sintonia com essas ideias: “A gente é mãe, tem que aturar”.
No entanto, na medida em que os limites de Berenice se esgotaram e ela negou o peito, a própria criança – e destaco a agência das crianças nesse contexto – buscou uma alternativa, recorrendo à Janaína e encontrando uma solução para o conflito. Este recurso se apresenta na medida em que, ali, a socialização das tarefas maternas se coloca como uma possibilidade.
Segundo Clarice Cohn (2005), as possibilidades de infâncias e de ser criança são diversas. Sendo uma construção social, a noção de infância só pode ser compreendida quando situada em um contexto específico. Cohn (2005) apresenta o conceito de “criança atuante”, o qual sugere que a criança não é apenas inserida em um sistema de relações que lhe antecede e é reproduzido continuamente, mas ela tem um papel ativo na constituição de laços e relações sociais dentro do repertório de possibilidades que o sistema lhe oferece. Determinados contextos, como o das camadas populares urbanas, são especialmente propícios a uma maior atuação nesse sentido, desafiando a noção de infância como incapacidade ou passividade.
A criança atuante é aquela que tem um papel ativo na constituição das relações sociais em que se engaja, não sendo, portanto, passiva na incorporação de papéis e comportamentos sociais. Reconhecê-lo é assumir que ela não é um “adulto em miniatura”, ou alguém que treina para a vida adulta. É entender que, onde quer que esteja, ela interage ativamente com os adultos e as outras crianças, com o mundo, sendo parte importante na consolidação dos papéis que assume e de suas relações. (Cohn, 2005, p. 17)
A mobilidade, autonomia e a possibilidade de circular pelas casas, descrita no exemplo acima, aponta para o papel das crianças como mediadoras entre as famílias e as casas. As situações analisadas nesse neste artigo não se enquadram exatamente na prática de “circulação de crianças”, tal como descrita por Fonseca (2006), porém, dialogam diretamente com ela.
De acordo com a autora, a circulação de crianças é “(…) uma prática familiar, velha de muitas gerações, em que crianças transitam entre as casas de avós, madrinhas, vizinhas e ‘pais verdadeiros’” (Fonseca, 2006, p. 9). Como detalhado no livro Caminhos da adoção, esse trânsito envolve, de modo geral, a permanência por períodos longos, muitas vezes anos. A amamentação cruzada, como tenho apreendido a partir do relato de Janaína e outras interlocutoras, em geral implica em assumir os cuidados durante períodos mais curtos e dinâmicos, ainda que eventualmente aconteça de modo regular.
Apesar da diferença entre uma circulação mais e menos transitória, muitas das observações feitas por Claudia Fonseca (2006) sobre os significados das crianças nas camadas populares, cuja necessidade de cuidados desencadeia uma série de interações sociais regulares para além dos limites da casa, são pertinentes e ricas para a compreensão da prática da amamentação cruzada no universo investigado. Isso transparece em diversos trechos de sua obra: “(…) é por meio das crianças que se faz amizade, que as pessoas se ligam à vida do bairro” (p. 25); “os adultos, as mulheres em particular, regram suas atividades em função das crianças” (p. 26); há um “(…) aspecto público e, de certa forma coletivo de maternar crianças” (p. 82).
Segundo a autora, a possibilidade de compartilhamento dos cuidados se coloca na medida em que não há uma forte adesão, no universo das camadas populares, à ideia de fases de desenvolvimento emocional e intelectual da criança, tal como disseminada nas camadas médias, onde espera-se que determinados cuidados sejam realizados por adultos específicos. Fonseca (2006) destaca que essa visão da infância, baseada em teorias advindas das ciências modernas da Psicologia e Pedagogia, está atrelada a um determinado contexto material, em que a escola e a família nuclear são, em geral, os principais responsáveis pelo processo de socialização.
“Amamentação cruzada” como acolhimento e afeto
Retomando o relato de Janaína, gostaria de destacar o fato de que Aline buscou seu peito não exatamente como fonte de alimento, mas principalmente como lugar de acolhimento e afeto. Com efeito, o trabalho de cuidado é indissociável do trabalho emocional que nele é mobilizado.
Janaína repetiu o ato anos depois, já idosa, com o bisneto Paulo. Quando bebê ele estava sob seus cuidados e, diante de um choro persistente, ela lhe ofereceu o peito, mesmo sem ter leite, conseguindo acalmá-lo. O menino então passou a lançar mão desse recurso em outras ocasiões, especialmente quando sua mãe, Marcelle, decidiu desmamá-lo. O assunto surgiu espontaneamente durante a entrevista, ocasião em que Paulo, à época com 6 anos, estava presente brincando com outra criança, no quarto da bisavó.
Janaína: Aí, sabe que esse aqui mamou em mim? (apontou para Paulo)
Olivia: Mas saiu leite?
Janaína: Não, né? Mas ficava agarrado no meu peito.
Olivia: Na hora de dormir?
Janaína: Aham. Uma vez a mãe dele saiu, aí eu falei assim, agora esse menino começou a gritar e caçando o peito. Aí eu botei o peito na boca dele, ele ficou quietinho, apagou, dormiu.
Olivia: Ele tinha quanto tempo?
Janaína: Ele era bebezinho ainda, ele tinha negócio de uns cinco pra seis meses. E pegava. E depois ele queria viciar, menina, queria ficar viciado. Marcelle não dava mamá lá e ele vinha pra cá. “Dá aí! Dá aí!” “O que você quer, garoto?” “Mamar”. Eu disse: “Ah menino, vai tomar banho, vai lá mamar na sua mãe”. Mas mamava. E ele largou o peito da mãe dele, mas ele tem o vício de vir aqui mamar, menina.
Olivia: Até hoje ele mama em você?
Janaína: Até hoje, menina. Isso é uma tentação, esse garoto. Até hoje. Eu digo assim: “Paulo, tu não tem vergonha de pegar no peito da vovó, não, meu filho? Eu sou tua bisa”. Ele diz assim: “não, é tão bom mamar”.
Paulo (interrompe e participa): Minha mãe não quis me dar mais. Então eu mamo em tu.
Janaína: Tem pouco tempo ele mamou em mim.
Olivia: Mas é o quê? Pra dormir, assim?
Janaína: É, às vezes ele ficava quieto, brincando e mamando. E eu ficava quieta. Ele ficava olhando e eu dizia assim: “meu Deus, eu sou vovó já. Meu bisneto acha que o meu peito tem leite”. Se tinha leite, eu não sei, porque eu não via nada. Eu apertava, não saía nada. Mas ele achava. “Paulo, não tem leite”. (Ele dizia:) “Está lá dentro da minha boca”. “Não tem, filho, leite, não”.
Paulo: Tem sim, você que não está vendo. Mas eu acho leite.
Como é possível notar, o ato de mamar como busca de acolhimento pode até prescindir do leite, o que possibilita que a bisavó “amamente”. Assim como Paulo, Janaína conta que sua filha caçula, quando pequena, também recorria ao peito de outras mulheres em sua ausência, pois “não dormia sem peito”. Ela desmamou aos 6 anos e, antes disso, nas ocasiões em que Janaína dormia fora de casa, “ela pegava qualquer peito. Não podia dar mole pra ela que ela pegava”.
Era o peito - e o aconchego que ele representava - e não exatamente a mãe, que a criança buscava. A díade mãe e filho, resultado da construção histórica e social, predominante nas orientações preconizadas pelas unidades de saúde, não parece ter grandes repercussões aqui. Badinter (1985) cita Edward Shorter, para quem devem ser consideradas “modernas as mães que só amamentam o próprio filho, recusando-se a aceitar outros (…)” (p. 202). A modernidade parece não ter penetrado da mesma maneira em todos os contextos, como sugere o comentário feito por Janaína, quando indagada sobre a normativa que contraindica a amamentação cruzada:
A gente nunca teve esse escrúpulo, não. Os filhos da gente mamava em quem queria. E os filhos dos outros também mamava em mim a hora que queria.
Nos relatos, fica explícito o papel ativo que a criança pode assumir na busca pelo peito - materno ou não.
“Mãe preta” da “filha de leite”
Segundo Janaína, de todas as crianças que amamentou, Aline - que hoje é falecida - era a única que a chamava de “mãe de leite”. E não apenas assim, mas também de “mãe preta”. Janaína relata que “até grande” amamentou a menina, a quem considerava filha.
Ela me chamava de mãe de leite. A gente sente no peito que é nosso filho também. Que é um pedaço da gente. Que é um filho da gente. (…) A mãe dela falava assim com os outros: “a Ana que é feliz. Ela tem duas mães. Ela não tem uma só. A Ina tá lá. A mãe preta dela tá lá. Se eu sair e não levar ela, ela fica com a mãe preta dela. Que ela gosta mais da mãe preta do que de mim”.
Fonseca (2002) observa que, apesar do ditado popular “Mãe é uma só”, muitas pessoas chamam mais de uma mulher por este título. Tenho tentado compreender as situações em que a prática da amamentação cruzada enseja “relacionalidade” (Carsten, 2000). Segundo David Schneider (1995 apud Carsten, 2000), por pelo menos um século os estudos na área de parentesco privilegiavam abordagens biologizantes, o que, em sua visão, seria reflexo de uma pressuposição ocidental, que assumiria os laços de parentesco como sendo biológicos. Para o autor, no entanto, não faria sentido utilizar esse conceito para se refletir acerca de sociedades ou grupos que se orientam por outras lógicas.
De acordo com Janet Carsten (2000), o questionamento das fronteiras entre o biológico e o social levou a uma reinvenção dos estudos de parentesco, ensejando uma visão mais aberta e dinâmica acerca do que poderia ser incluído dentro dessa categoria.
É nesse sentido que Carsten (2000) lança mão do termo “relacionalidade”, de modo a tentar ampliar e incorporar formas locais de “se emparentar”, sem que esse processo seja assumido como previamente dado. Com isso abre-se a possibilidade de que o parentesco seja socialmente construído no cotidiano, a partir da comensalidade, da troca de nomes, da amizade etc. E, para além do sangue, outros símbolos são capazes de estabelecer elos e de serem percebidos como a base para relações de parentesco.
Um desses símbolos é o leite materno. Segundo Elena Soler (2019), para além de nutritivo, esse fluido corporal, ao circular e ser compartilhado, tem o potencial de estabelecer relações, que podem inclusive ser reconhecidas como de parentesco, a depender do contexto local.
Como é possível notar pelas inúmeras crianças que Janaína amamentou – dentre elas a irmã biológica de Aline, a quem não considera sua “filha de leite” – nem sempre a amamentação cruzada resulta em relacionalidade ali. Em outro artigo (Hirsch, 2024) aponto que alguns fatores parecem contribuir, no universo investigado, para o estreitamento desse vínculo: o fato de a amamentação cruzada acontecer de modo regular, se somando a outras obrigações e formas de compartilhamento de cuidado.
A partir da relação entre Aline e Janaína, levanto a hipótese de que a busca ativa da criança, sem a mediação de um adulto, e o fato de a amamentação não ser realizada exatamente como fonte de alimento, mas principalmente como lugar de acolhimento e afeto, também podem exercer influência no fortalecimento desse vínculo.
De acordo com o relato de Janaína, Aline também se referia a ela publicamente como sua “mãe preta”, de quem exigia respeito e considerava haver herdado algumas de suas características:
A Aline dizia assim: “Minha mãe é preta. Eu gosto de muito respeito com a minha mãe preta”. Porque ela me chamava de “mãe preta”. Depois cresceu, ficou mocinha. (…) “Eu mamava era nela. Por isso que eu sou forte, por isso que eu sou terrível”. Porque ela era toda fortona. “Por isso que eu sou assim, terrível. Eu mamei da minha mãe preta”.
Essas ideias parecem remontar àquelas presentes na segunda metade do século XIX, divulgadas por médicos higienistas, de que pelo leite poderiam ser transmitidas aos bebês brancos características da ama, como inteligência, cultura e hábitos dos negros, o que era visto como uma ameaça. Sonia Giacomini (1988) aponta como à ama de leite era concedido “o lugar privilegiado de agente de corrupção da família branca” (p. 49-50).
A expressão “mãe preta”, utilizada por Aline, é uma alusão explícita às amas de leite e de criação, que mantinham um convívio íntimo, no ambiente doméstico, com os filhos de seus senhores. Sonia Roncador (2008), ao analisar o mito literário da “mãe preta”, observa que a imagem ameaçadora propalada pelos médicos higienistas e que se populariza no discurso abolicionista, perde espaço para o imaginário “dócil” e “servil” disseminado nas memórias de escritores modernistas publicadas entre as décadas de 1930 e 1960, sob influência do pensamento de Gilberto Freyre. De acordo com Roncador (2008), a mãe preta desse período seria o contraponto “domesticado” de outros dois estereótipos ameaçadores: o da “escrava imoral”[6], sempre querendo sexo com o senhorio, e o do “escravo demônio” - fugitivo, insubordinado.
Ao falar das características herdadas de sua “mãe de leite”, Aline atualiza a ideia de que o leite é passível de transmitir determinados atributos. Porém, se no passado eles foram vistos como ameaçadores a partir de uma ideia de contaminação racial, para Aline, que é branca, trais atributos carregam potência. Parece haver ainda um embaralhamento dessas referências, isto é, do mito do “escravo demônio” e da “mãe preta”. Assim, a mãe preta presente no imaginário de Aline não é uma figura “dócil” e “servil”, mas sim “forte” e “terrível”, características possivelmente derivadas do estereótipo do “escravo demônio”, que é por ela ressignificado e positivado.
Com algumas nuances, a experiência da “ama de leite” parece ser uma referência a orientar as interpretações sobre a prática da amamentação cruzada hoje, ainda que este ato se dê em termos completamente diferentes, como observei em outro artigo:
Se no passado a relação entre as amas e as mães biológicas era atravessada por hierarquias (de raça e de classe) e o ato de amamentar o filho alheio consistia em uma imposição, na contemporaneidade a situação é bastante diversa. A prática de amamentar outras crianças, para além daquelas geradas biologicamente, resulta de um ato voluntário (ainda que envolto em obrigações morais), entre mulheres que se encontram em uma relação de simetria (Hirsch, 2024, p. 10).
“Mãe preta” dos “filhos da madame”
Janaína trabalhou muitos anos “em casa de família”, estando inserida, portanto, também no circuito do “cuidado como profissão”. No Brasil, a realização das tarefas de cuidado e manutenção das casas de classe média é, de modo geral, desempenhada por mulheres, em sua maioria pretas, de camadas populares. Segundo Jurema Brites (2007), a relação estabelecida e as formas de remuneração (que envolvem outras trocas, além do pagamento do salário) reproduzem um sistema altamente estratificado de gênero, classe e cor, cuja manutenção se baseia em uma ambiguidade afetiva entre os empregadores - especialmente entre as crianças e as mulheres - e as trabalhadoras. Baseando-se em Shellee Colen (1995), Brites chama atenção para como o “trabalho reprodutivo”, isto é, aquele que envolve o trabalho “físico, mental e emocional necessário para a geração, criação e socialização de crianças assim como a manutenção de casas e pessoas (da infância até a velhice)” (Colen, 1995:78 apud Brites, 2007, p. 94), tem sido distribuído de acordo com hierarquias de classe, raça e gênero. Essa constatação levou Colen (1995) a desenvolver o conceito de “reprodução estratificada”.
Na última casa em que trabalhou antes de se aposentar, Janaína permaneceu por 20 anos. “Eu era babá, cozinheira, lavadeira, passadeira, eu fazia tudo”. Ela descreve o serviço e as orientações que recebia da “madame”:
(…) a preferência dela é que eu desse muita atenção às crianças. Porque era eu sozinha pra cuidar dos dois. Dar banho, levar pra escola. Então eu fazia tudo isso, entendeu? Eu falei pra ela: “Eu consigo fazer, porque eu cuidei dos meus filhos e fazia minhas coisas, então na madame também eu consigo cuidar”. Da madame é melhor do que o da gente. A gente tem que ter mais cuidado, mais atenção. O filho da gente não, a gente bota no chão pra brincar, ficar brincando pra lá. O filho da madame a gente tem que tá no colo. O menino então, meu Deus, ele era chorão. Eu só fazia as coisas com ele no carrinho, o pé no carrinho e fazendo comida. E balançando o carrinho, não podia parar não, que ele gritava. A menina eu tinha que botar na rede. Ela teve assim, bem dizer, um filho atrás do outro. Quando a filha dela fez 1 ano, ela teve o outro, entendeu? Então era dois bebês. Quando eu fui trabalhar lá, a filha dela (que era a mais velha) ainda não andava.
Ao ser chamada para o trabalho, Janaína avaliou que não teria dificuldades, pois tinha 4 filhos biológicos e, até começar a atuar como doméstica – ocasião em que Nirinha passou a cuidar das crianças[7] – era ela quem assumia os cuidados. Se ela era capaz de cuidar dos seus, poderia cuidar dos da “madame”, pensou. No entanto, aos poucos se deu conta de que, no trabalho, a exigência era por outro padrão de cuidado: as crianças deveriam receber muito mais atenção. Letícia Resende (2023) que fez pesquisa com babás em Belo Horizonte, observa que:
o encontro entre babás, com seus entendimentos próprios de cuidado, e patroas, com suas exigências e orientações particulares, coloca em relação diferentes concepções para criação e educação das crianças. Muitas vezes, tal situação resulta em contendas e discordâncias, mesmo que tácitas, em relação às práticas do cuidado (…) (p. 176).
A autora chama a atenção para o fato de que a maioria dos empregadores dá orientações às babás sem levar em conta as suas próprias perspectivas, ignorando seus saberes e conhecimentos e adotando estratégias de controle e vigilância.
Elisabeth Badinter (2011) aponta como, até os anos 1970, ter filhos era uma consequência do próprio ato do casamento. Toda mulher apta a procriar, o fazia. Era o fluxo inquestionável, eventualmente atribuído a um instinto ou desejo universal. Com o surgimento e a oferta de contraceptivos, a ideia de maternidade como escolha, especialmente nas camadas médias urbanas, passou a ganhar força. O efeito disso é, segundo Badinter, atribuir maior peso aos deveres associados à maternagem, em uma época em que o individualismo nunca foi tão pungente, desencadeando uma série de conflitos. “Do dom da vida de antigamente, passamos a uma dívida infinita em relação àquele que nem Deus nem a natureza nos impõem mais (…)”, afirma Badinter (2011, p. 22).
Claudia Fonseca (2006) destaca que nas camadas médias as crianças se tornaram o foco da unidade conjugal, o que contrasta com a realidade das camadas populares, onde as “crianças são consideradas não como indivíduos singulares, mas sim como partes integrantes do grupo” (pp. 38-39).
No caso de Janaína, sua empregadora possivelmente carregava consigo a “dívida” de que nos fala Badinter. Na sua ausência, a orientação transmitida foi, então, a de que ela “desse muita atenção às crianças” – aquela que provavelmente julgava ter que dar se estivesse presente. É nesse sentido que logo Janaína percebeu que sua experiência acerca de como cuidar de crianças talvez não fosse de grande valia no ambiente de trabalho. Ela se viu às voltas com o desafio de ter que cuidar de dois bebês, oferecendo-lhes mais “colo” e “atenção” do que havia ofertado aos seus filhos, assim como incumbida de outras tarefas domésticas.
Um dia, tentando dar conta do trabalho, ela, em um ato de insubordinação, decidiu lançar mão de um recurso que já havia utilizado em casa. A história começa da seguinte forma: a patroa quando saía costumava deixar leite materno e suco de fruta para que Janaína desse ao bebê. E o combinado era que Janaína ligasse para ela, caso fosse necessário mais leite do que o que havia deixado. Naquele dia, no entanto, Janaína resolveu fazer diferente:
O menino tá chorando, tá chorando, tá chorando… “Meu Deus, acabou o suco. O menino já mamou a mamadeira”. Era pra mim ligar pra ela se ele estivesse gritando muito pra ela pra ela vir correndo pra dar mamá, mas sendo que ela pediu a vizinha dela pra me vigiar pra ver se as crianças iam chorar muito. As crianças dela, ninguém chorava comigo. Esperei ela sair, o menino logo pediu. Deu o momento dele, o alarme, que queria mamar. Dei a chuquinha de leite, mamou, esperei, arrotou. Aí botei lá no bercinho dele, ele ficou quietinho. Daqui a pouco, minha filha, umas duas horas depois, ele começou a gritar, eu tô vendo que a barriguinha do bichinho tava murchinha. Eu disse assim: “Caramba, eu vou ter que ligar pra dona Fernanda pra ela vir aí. Eu não queria que essa mulher viesse agora, se eu tô sozinha com as crianças, eu tenho momento pra fazer tudo direitinho”. A Patrícia andava devagarinho agarrada nas coisas, eu fazia tudo direitinho, mas com ela em casa, eu tinha que ficar ali atrás da menina, porque ela ficava: “Ai Ina, cuidado, minha filha vai cair! O Pedro tá chorando, Ina!” Aí eu ficava com um no colo e sentada esperando a outra pra segurar a mão pra não cair. “Se ela não tá aqui, eu vou trabalhar e vou dar conta de tudo”. Aí eu peguei, eu digo assim: “Caramba, e agora, o que eu vou fazer? Não vou ligar pra dona Fernanda, não. Eu vou experimentar”. Lá tinha Cremogema[8]. Peguei a Cremogema. Tinha leite em pó. Peguei a Cremogema, cozinhei cozinhei, peguei uma tampinha só de leite, mexi na água, desmanchei na água, botei na Cremogema e dei uma madeira pra ele. Ela toda hora me ligava: “Ina, como é que tá o Pedrinho?” “Dona Fernanda, ele tá dormindo”. “Ina, ele ainda não acordou? Não tá dormindo demais, não?” “Não, dona Fernanda. Eu dei banho nele, ele tá quietinho dormindo de bruços. Eu botei ele de bruços, mas toda hora eu tô indo lá ver ele no berço”. “Ina, ele tá dormindo ainda?” “Tá, dona Fernanda”. Aí eu digo assim: “Caramba, eu já tô cansada de atender telefone”. Daqui a pouco, já deu de tarde, aí o telefone toca de novo. “Ina, ele acordou? Ina, será que ele não tá sentindo nada, não?” “Eu falei assim, dona Fernanda, eu acho que ele não tá sentindo nada, não, porque ele tá de barriga pra cima, olhando pros brinquedos que tá amarrado no berço e batendo o pezinho na cama”. Mas ela não tava no serviço, ela já tava na portaria, aí ela ligou. (…) Aí ela enfiou a chave na porta e abriu a porta. Eu falei assim: “Ué, dona Fernanda, a senhora não tava lá no Flamengo?” “Não, Ina, eu tava aqui na portaria, eu tava escutando se o Pedro tava chorando”. Eu falei assim: “dona Fernanda, aqui eu não dou tempo pra criança chorar, não”. “Mas você deu o quê a ele? Eu dei o que a senhora deixou aí”. E fiquei quieta, né? “Ai, Ina, que beleza”. Aí ela entrou de ponta de pé, foi lá olhando o berço: cadê o neném da mamãe?” Aí ele ria. Ela falou assim: “Ina, eles ficam bem com você. Até a Patrícia”. E a menina deitada na rede dormindo, porque ela só gostava de dormir na rede. E a menina deitada na rede e eu fazendo minhas coisas. E a janta já tava pronta e eu prontinha, esperando ela chegar, pra mim tomar meu banho e vim me embora. (…) “Ina, eu fico aqui, eu não consigo fazer nada”. (…) “Dona Fernanda, eu consigo fazer tudo aqui com as crianças”. (…) Eu sei qual é o segredo, mas ela não. Eu que sabia o segredo das crianças.
Brites (2007) destaca como, em meio às desigualdades que permeiam a relação entre domésticas e empregadoras, prevalece um ambiente onde cumplicidade e antagonismo andam de mãos dadas. É nesse contexto que Janaína decide burlar as orientações acerca de como devem ser realizados os cuidados com as crianças, de modo a garantir que a patroa permanecesse mais tempo fora de casa. Sem sua supervisão, ela tinha mais autonomia na execução do trabalho, que incluía outras tarefas domésticas. Há, nesse sentido, uma divergência acerca de como deveria ser realizado o cuidado e quais deveriam ser suas prioridades na execução do trabalho, mas Janaína, se esquivando de confrontos, atuando em falsa conformidade (Brites, 2000), agia de acordo com a sua própria avaliação[9]. Mesmo estando em um ponto limitado do poder (Díaz-Benítez, 2019), ela não prescindia, mas ao mesmo tempo não se submetia totalmente na relação com a empregadora. Esta, por sua vez, se encontrava em posição de superioridade hierárquica, porém, ao mesmo tempo, de dependência, especialmente pela profundidade dos laços afetivos estabelecidos entre seus filhos e Janaína, a quem chamavam também de “mãe” e de “mãe preta”, como se verá adiante. Como sintetiza Brites (2000): a “desigualdade não é uma relação simples de opressão dos dominantes sobre os dominados” (p. 123).
A análise tem como pano de fundo o debate sobre interseccionalidade e suas diferentes abordagens. Apesar de utilizarem os mesmos termos, a forma como é pensado poder e diferença, assim como as possibilidades de agência dos sujeitos divergem significativamente (Piscitelli, 2008). A primeira definição formal do conceito de interseccionalidade costuma ser atribuída ao artigo “Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero”, publicado em 2002, por Kimberlé Crenshaw. Segundo Piscitelli, para Crenshaw (2002) os marcadores sociais, como gênero, raça e classe são pensados como sistemas de dominação e opressão que necessariamente promovem o desempoderamento. Nessa abordagem, classificada pela autora como sistêmica, “o poder é tratado como uma propriedade que uns têm e outros não, e não como uma relação” (Piscitelli, 2008, p. 267).
Já na abordagem construcionista, na qual se filiam autoras como Anne McKlintock, Avtar Brah, Maria Elvira Díaz-Benitez e a própria Adriana Piscitelli, parte-se da premissa de que os marcadores sociais da diferença nem sempre se articulam da mesma maneira, o que significa que, em determinadas situações e contextos, podem se articular de modos contraditórios, não necessariamente geradores de subordinação. Tais autoras não negam o poder coercitivo das assimetrias, mas procuram apontar as nuances dessas relações, de modo a destacar as diferentes agências e potências dos sujeitos.
Assim como Janaína, uma parte das babás interlocutoras de Resende (2023) buscou driblar a ausência de autonomia e o controle – que no caso de Janaína aparece na menção à vizinha, que monitorava o choro das crianças, e no fato de a patroa chegar de surpresa, logo após o telefonema. Elas agiam em desconformidade com as orientações recebidas quando os pais das crianças não estavam por perto, o que permitia que “se torna(assem) a autoridade do espaço para a criança” (p. 197).
Possivelmente efeito desse lugar de autoridade, as crianças, segundo relata Janaína, não comiam com a mãe biológica, apenas com ela – o que também contribuía para reduzir as assimetrias de poder. “Quando eu chegava na segunda-feira (a “madame” dizia): ‘Ina, dá comida aos teus filhos, porque eles estão morrendo de fome. Só comeram Danoninho[10] comigo, Ina. Comida ninguém comeu’”[11].
Como constatou Brites (2000, 2007) em sua pesquisa com empregadas domésticas, a intensidade de contato e intimidade que se desenvolvia entre as crianças e as empregadas criava, com frequência, um forte vínculo afetivo que extrapolava a relação meramente profissional. Não era incomum que, depois da interrupção do vínculo de trabalho, a relação se mantivesse. De forma semelhante, Janaína conta que, mesmo já tendo se aposentado há alguns anos, mantém contato com a ex-patroa e seus filhos:
Até hoje ela me procura. Até hoje. “Ina, você ainda não veio ver minha neta. Ina, a filha do teu filho, tua neta”. Eu digo assim: “Tá, um dia eu vou aí. É porque eu não ando muito mais sozinha. Não posso estar saindo sozinha. Mas um dia eu vou aí”. Tem amizade até hoje.
Olivia: E eles te chamam de mãe até hoje?
É, “minha mãe preta”. O Pedro, então, já veio aqui. “Não, eu vou na casa da minha mãe preta”. “Ina, eu tô indo praí. Mãe preta, faz aquele bife com batata frita pra mim”.
O mito da “mãe preta” foi diversas vezes enunciado, especialmente por Gilberto Freyre, para tentar avalizar a ideia de que haveria uma harmonia interracial na sociedade brasileira. Tomando a relação de intimidade e o forte vínculo expresso entre muitas domésticas e as crianças por elas cuidadas, afirma Brites (2007), seria fácil endossar essas ideias. No entanto, não é possível ignorar o fato de que as crianças são socializadas em uma lógica profundamente hierárquica, como enfatiza a autora. Numa linha tênue, se equilibram afetos e distância social. Assim, se há em alguma medida harmonia nessa relação, é preciso reconhecer que isto ocorre em meio a uma série de antagonismos, como também observou Benzaquen de Araújo (1994) em sua análise da obra freyriana.
Lélia Gonzalez (2020) ressalta que, durante a escravidão, muitas vezes os filhos de mulheres escravizadas eram separados delas para que estas, convertidas em amas, pudessem amamentar e se dedicar inteiramente aos cuidados das crianças brancas. Mesmo em meio à violência, com frequência as amas mantiveram viva a chama dos valores culturais de origem africana, onde a maternidade é muito valorizada, e lutaram para “manter a dignidade da função materna, até mesmo quando exerciam com crianças brancas” (p. 203). Segundo a autora, elas ensinaram o pretuguês e outras práticas culturais africanas às crianças que aleitaram e educaram. Para Gonzalez, as amas de leite do passado são as avós das domésticas de hoje, que seguem exercendo a maternagem das crianças brancas de camadas médias.
Considerações finais: a circularidade do cuidado
Depois da aposentadoria, a casa de Janaína na Rocinha seguiu movimentada, com crianças “circulando” especialmente durante o dia. A ida com Nirinha nos últimos anos para a casa na “roça”, longe da rede em que esteve inserida durante toda a vida, fez com que ela passasse a nutrir o desejo de ter consigo uma criança – possivelmente preta – para maternar.
Você sabe quando eu vejo falar na televisão que acharam uma criança recém-nascida na rua… (Eu penso) “Ai, meu Deus, por que não fui eu que passei lá pra apanhar pra mim?” (risos). (…) Eu já não aguento fazer mais o que eu fazia, mas pra mim, lá em casa, na minha roça, eu tenho vontade de pegar a criança do outro e levar pra mim. Eu peguei a irmã dela (aponta para a neta, que brinca enquanto realizamos a entrevista), da minha filha. Botei no colégio. Eu ia todo dia no ponto levar ela no ônibus. Mas aí depois o pai inventou que queria que botasse no colégio aqui, que tava todo mundo com saudade. (Principalmente) A outra irmã dela, a menorzinha. Mas eu queria criar ela. Eu queria criar ela comigo. Eu gosto de criança ainda.
Fonseca (2006) observa que, nas camadas populares, “as velhas andam à cata de um neto ou uma neta para lhes ‘fazer companhia’” (p. 25). Nesse contexto, diz a autora, a adoção serve como um importante amparo na velhice, em meio à impossibilidade de ser ter acesso a formas mercantilizadas de cuidado e a escassez de políticas públicas. Retomo o argumento de Tronto (2007), para quem o cuidado é relacional: “(…) cada um de nós está no centro de uma rede complexa de relações. Há um fluxo contínuo que representa quanto cuidado uma pessoa necessita, não uma dicotomia entre os que são cuidados e os que cuidam” (p. 299). Mesmo reconhecendo seus limites, Janaína deseja, hoje idosa, fazer o que sempre fez: cuidar. Possivelmente na expectativa de que a criança a quem dirigirá seus cuidados, cuide dela também.
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Contribuições dos autores (CRediT): 1. Conceituação; 2. Curadoria de dados; 3. Análise formal; 4. Aquisição de financiamento; 5. Investigação; 6. Metodologia; 7. Administração de projetos; 8. Recursos; 9. Programas de computador; 10. Supervisão; 11. Validação; 12. Visualização; 13. Escrita: rascunho original; 14. Escrita: revisão y edição. O. N. H. contribuiu em 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14.
Editado por: O comitê editorial executivo Juan Scuro, Pilar Uriarte, Victoria Evia e Martina García aprovaram este artigo.
Nota: O conjunto de dados nos quais se baseiam os resultados do estudo não está disponível.
[1] Ainda hoje uma em cada cinco mulheres pratica a amamentação cruzada no Brasil, segundo Boccolini et al. (2023).
[2] Os nomes foram substituídos por outros para garantir o anonimato.
[3] Os dados nos quais se baseiam os resultados do estudo não estão disponíveis.
[4] Duarte e Gomes (2008) observam que valores como mercantilização, igualitarização e liberalização do espaço público vêm provocando mudanças em todas as esferas sociais. No que se refere ao âmbito religioso, e com fortes implicações na família popular, eles destacam a emergência de uma nova postura religiosa que surgiu com os evangélicos pentecostais, um “movimento marcado pelo primado da escolha e da liberdade individual” (p. 180).
[5] Tendo feito etnografia em uma favela de Niterói, no estado do Rio de Janeiro, Fernandes (2011) aponta que as crianças muitas vezes assumem as tarefas domésticas e cuidam dos irmãos mais novos.
[6] Utilizo o termo “escrava” em vez de “escravizada” para acompanhar a expressão utilizada pela autora em seu artigo que, por sua vez, faz alusão à forma como o termo era empregado pela literatura nativa da época.
[7] Sobre a relação de Nirinha com seus filhos, Janaína comenta: “Ela me ajudou a criar os meus, que ela que criou. Era mais ela”. Noutras palavras, para se dedicar ao “cuidado como trabalho”, Janaína precisou contar com o “cuidado como ajuda”, realizado por Nirinha.
[8] Marca de mingau infantil feito de amido de milho.
[9] Como também fazia no que se refere às orientações do pediatra, como apontado anteriormente.
[10] Marca de iogurte.
[11] A situação se repetia em sua própria casa, na relação com os filhos, cujos cuidados foram assumidos por Nirinha quando Janaína passou a trabalhar como doméstica: “A graça deles era com Nirinha. Era Nirinha pra lá, Nirinha pra cá. Eu não”.