Artículo libre
Pistas de reflexão teóricas sócio- antropológicas acerca das relações entre esporte (futebol) e religião. O caso brasileiro.
Socio-anthropological theoretical reflection on the relationship between sport (football) and religion. The brazilian case.
Pistas de reflexión teórica socio-antropológicas sobre la relación entre deporte (fútbol) y religión. El caso brasileño.
Claude Petrognani1 ORCID: 0000-0002-0694-0541
1 Universidade de Gênova, Departamento de Ciências Políticas e Internacionais, Itália e Groupe Sociétés, Religions, Laïcités, École Pratique des Hautes Études, França. Claude.petrognani@gmail.com
Resumo
Este texto procura refletir sobre as possíveis sinergias interpretativas e as perspectivas teóricas sociológicas e antropológicas entre esporte, mais especificamente o futebol, e religião.
A interrogação da relação entre esporte (futebol) e religião quer relançar a necessária contribuição e “imbricação” entre diferentes paradigmas disciplinares, o que significará, metodologicamente e simbolicamente, “operar no limiar da antropologia”.
Num primeiro momento, serão analisadas as principais perspectivas teóricas da antropologia e sociologia no debate entre esporte e religião: a saber, a perspectiva weberiana, marxista, simbólico-ritualística e durkheimiana. Em particular, será focalizada a atenção sobre o futebol, a “Surrogate Religion?”.
Em seguida, avançaremos algumas considerações entorno desta controversa relação, focando a nossa atenção, mais detalhadamente, no caso do futebol brasileiro, entorno das relações entre futebol e o campo evangélico em função da vasta e crescente visibilidade que hoje, este setor religioso, alcançou na sociedade e, em particular, no campo futebolístico no Brasil.
Palavras-chaves: futebol, religião, teorias sócio-antropológicas, Brasil, evangélicos.
Abstract
This text aims to reflect about the possible interpretative synergies and theoretical sociological and anthropological perspectives between sport, more specifically football, and religion.
The
questioning of the relationship between sport (football) and religion wants to
relaunch the necessary contribution and “imbrication” between different
disciplinary paradigms, which will mean, methodologically and symbolically, “operating
on the threshold of anthropology”.
Firstly,
the main theoretical perspectives of anthropology and sociology in the debate
between sport and religion will be analyzed: the Weberian, Marxist,
symbolic-ritualistic and Durkheimian perspectives. In particular, the focus
will be on football, the “Surrogate Religion?”.
Secondly,
we will advance some considerations around this controversial relationship,
focusing our attention, in more detail, on the case of Brazilian football, surrounding
the relationship between football and the evangelical field because of the vast
and growing visibility that this religious sector has achieved today in society
and, in particular, in the football field in Brazil.
Keywords: football, religion, socio-anthropological
theories, Brazil, evangelicals.
Resumen
Este texto trata de reflexionar sobre las posibles sinergias interpretativas y perspectivas teóricas sociológicas y antropológicas entre el deporte, especialmente el fútbol, y la religión.
El
cuestionamiento de la relación entre deporte (fútbol) y religión pretende
relanzar la necesaria contribución e «imbricación» entre diferentes paradigmas
disciplinares, lo que supondrá, metodológica y simbólicamente, «operar en el umbral de la
antropología».
En un primer
momento, se analizarán las principales perspectivas teóricas de la antropología
y la sociología en el debate entre deporte y religión: las perspectivas
weberiana, marxista, simbólica-ritualista y durkheimiana. En particular, la
atención se centrará en el fútbol, ¿la Surrogate Religion?
Posteriormente,
adelantaremos algunas consideraciones en torno a esta controvertida relación,
centrando nuestra atención, con más detalle, en el caso del fútbol brasileño,
que envuelve la relación entre el fútbol y el campo evangélico por la vasta y
creciente visibilidad que este sector religioso ha alcanzado hoy en la sociedad
y, en particular, en el campo de fútbol de Brasil.
Palabras
clave: fútbol, religión, teorías
socioantropológicas, Brasil, evangélicos.
Recibido: 05/12/2024
Aceptado: 01/04/2024
Introdução
Neste artigo procuro apresentar o estado da arte acerca do debate teórico, antropológico e sociológico, sobre as relações entre esporte, mais especificamente o futebol, e religião[1].
Primeiramente, procuro demonstrar que as diferentes modalidades em que foi explorada esta relação podem se resumir dentro de duas grandes perspectivas teóricas: as que sugerem uma cisão radical entre esporte e religião (Guttmann, 1978) e teses que, pelo contrário, analisam as interações entre esporte e religião (Barba, 2007; Brohm, 1976, Bromberger, 1999; DaMatta, 2014; Jungblut, 1994; Rial, 2013; Sterchele & Molle, 2011; Toledo, 2001; Petrognani, 2016, 2019, 2025), em particular dentro de diferentes perspectivas teórica mais específicas: o esporte (futebol) como “novo ópio do povo” (Brohm, 1976), isto é, a aproximação marxista (1848); o futebol como instrumento produtor de sacralidade (Coles, 1975; Ionescu & Labridy, 2008; Turpin, 1999), isto é, uma perspectiva de cunho durkheimiana (1912); e modalidades de observação do fenômeno esportivo (futebolístico) chamado de “panritualismo religioso” (Bromberger, 1999), preponderante na década de 1990/2000, sobretudo no âmbito antropológico, procurando estabelecer relações e analogias simbólicas entre futebol e religiões (Barba, 2007). O objetivo deste artigo, além de mapear o estado da arte, é avançar, de forma crítica, neste debate, propondo, mais especificamente, um olhar sobre o caso do futebol brasileiro. Neste sentido há uma bibliografia que tratou, especificamente, das relações entre futebol brasileiro e o campo evangélico (Jungblut, 1994; Petrognani, 2016, 2019, 2025; Rial, 2013), sendo esta vertente religiosa a mais visível e, portanto, etnograficamente alcançável, dentro do universo futebolístico[2].
A “religião invisível”: a aproximação sociológica weberiana
Nas sociedades pretéritas as competições esportivas tinham uma finalidade religiosa. Faziam parte de grandes cerimônias para agradecer e celebrar os deuses. De acordo com Guttmann (1978): “se corria para que chovesse, por apaziguar os deuses ou para salvar nossas almas[3]” (p. 70) e o vencedor, o eleito pelos deuses, tornava-se um herói, por sua vez honrado como uma divindade.
Segundo
o historiador francês da antiguidade Thuillier[4] (2012) é preciso
relativizar a afirmação segundo a qual as competições esportivas na antiguidade
tinham um sentido estritamente transcendental, sobretudo no que diz respeito à antiguidade
grega e romana. Thuillier, pelo contrário, sustenta que as finalidades profanas
como as apostas, o business, ou
simplesmente o lazer e, para quem participava, o gosto pela competição e
vitória, eram as motivações principais das competições esportivas.
Resumindo,
segundo o historiador francês não haveria uma ruptura radical entre práticas
esportivas na antiguidade, permeadas de religiosidade, e competições esportivas
modernas, caracterizadas pela ausência de religião. Nada teria mudado: os jogos
de futebol de hoje corresponderiam às corridas de carros dos antigos romanos:
O esporte na antiga Roma tinha todas as
caraterísticas do esporte espetáculo contemporâneo. Podemos comparar as
corridas de carros ao futebol de hoje pois elas despertavam um entusiasmo
planetário. O império Romano estendia-se da Lusitânia (atual Portugal) à Ásia
Menor (atual Turquia), e da Inglaterra ao Norte da África, ou seja, por grande
parte do mundo habitado. Este esporte certamente contribuiu para difundir a
civilização de Roma na maioria das províncias. (…) Estávamos já na época do
esporte de massa (Thuillier, 2012)
Porém, seria a
ausência da finalidade religiosa, entre outras[5], a marca do nascimento do esporte moderno, apontando
uma cisão radical com as práticas esportiva da antiguidade e das sociedades
tradicionais.
Segundo Guttmann
(1978), o esporte moderno[6], nasce no momento em que se desengancha da instituição
religiosa: trata-se da secularização, definida por Berger (1967) como “o processo pelo qual setores da sociedade e
da cultura são libertados da dominação de instituições e símbolos religiosos” (p. 107).
O processo de
secularização das sociedades ocidentais, de um ponto de vista histórico, nasce
entorno do XVI e XVII século, quando filósofos, como F. Bacon (1561-1626) (“Religio praecipuum humanae societatis vinculum”), percebem que a época moderna precisava se desvincular
dos pressupostos confessionais para se desenvolver de um ponto de vista
cientifico e socioeconômico.
Max Weber (2008)
demonstrou, porém, o laço estreito entre o protestantismo e o nascimento do
capitalismo na Inglaterra do século XVIII. De fato, a ética protestante estava
intimamente relacionada com o “espírito de racionalização” imprescindível pelo
desenvolvimento da sociedade:
Como se sabe, segundo esse
paradigma interpretativo a objetivação da religião como uma esfera diferenciada
da vida social é fruto de um movimento histórico inaugurado pela modernidade e
exponencialmente estimulado pelo ascetismo protestante. Para Weber, as
religiões éticas, caracterizadas pela sua concepção abstrata da salvação,
teriam sido responsáveis pela racionalização da imagem de um mundo sem Deus e
pela projeção da experiência mística para o além (Montero, 2006, p. 47).
Alinhado com a tese
de Weber, num texto clássico da sociologia do esporte, From ritual to record, Allen Guttmann (1978) traça um paralelo
entre os processos de secularização e racionalização e o desenvolvimento dos
esportes competitivos modernos, nos quais o agon
teria se separado dos objetivos e referências transcendentais para se
tornar um fim em si.
Depois que os deuses
desapareceram do Monte Olimpo ou do Paraíso de Dante, não podemos mais correr
para apaziguá-los ou salvar as nossas almas, mas podemos estabelecer um novo
recorde. É uma forma exclusivamente moderna de imortalidade (Sterchele &
Molle, 2011, p. 11).
Um dos traços
distintivos no nascimento do esporte moderno seria, portanto, a progressiva
emancipação das práticas esportivas dos contextos próprios da religiosidade
devocional e a sua sucessiva tendência à racionalização. Dito de outro modo, na
sociedade, assim como no esporte, a religião tornava-se “invisível”.
A “religião esportiva”: a aproximação marxista
A religião, dizia
Marx, é o “ópio do povo”, a “felicidade ilusória do povo” ou, ainda, o “suspiro
da criatura oprimida” (Marx & Engels, 1999). No manifesto do Partido
Comunista, Marx repetirá que “as leis, a moral, a religião, são prejuízos
burgueses atrás dos quais se escondem igualmente interesses burgueses” (Marx
& Engels, 1999, p. 101). A religião, portanto, era vista numa lógica de
dominação.
O sociólogo francês
Jean-Marie Brohm, fundador e diretor da revista Quel corps? (1976),
elaborou, com os seus colaboradores, uma teoria radical do esporte competitivo
definido como “nova religião”, “novo ópio do povo”, dentro do modelo marxista
da lógica da dominação: o esporte seria o panem et
circenses das classes subalternas, o
instrumento que permitiria às classes dominantes de instaurar e manter a ordem
(Brohm, 1976).
A “religião
esportiva”, sempre segundo Brohm, levaria os homens a perder a própria
humanidade, forçando-os, na busca da performance, a se sujeitar a práticas
destrutivas e alienantes para a própria saúde mental (Brohm, 1976).
Neste sentido, a
propósito de seu trabalho fundador Sociologie politique du
sport (1976), numa linguagem intencionalmente apocalíptica,
escreveu:
O princípio da performance física, a corrida
para ultrapassar os recordes, a procura da perfeição, da competitividade e da
eficiência levaram a prática esportiva a extremos preocupantes. A medicalização
excessiva, a preparação biológica sofisticada, a dopagem cientificamente
assistida, o treino intensivo, a tecnologia das capacidades físicas (…)
transformaram o esporte de alto nível numa fábrica de monstros e robôs (…)
(Brohm, 1976, p. 243).
Portanto, na perspectiva de uma sociologia crítica do esporte, o sociólogo e filosofo francês Jean-Marie Brohm, de formação marxista, queria demonstrar que o esporte é uma forma de religião, (“o esporte é a única e verdadeira religião universal laica de massa” (Brohm, 1976, p. 243)), um novo “ópio do povo”, capaz de manipular as consciências populares e de afastar da luta de classe.
O “panritualismo religioso” e as analogias simbólicas: a aproximação antropológica
A orientação antropológica, a partir da década de 1980, concentrou-se nas analogias entre esporte e religião, procurando esclarecer se e como o esporte pode ser considerado, ou não, um tipo de religião ou uma quase religião (Coles, 1975).
Muitos
autores (Barba, 2007; Bromberger, 1999; DaMatta, 2014) sublinham as numerosas
afinidades fenomenológicas que reúnem os dois âmbitos, até mesmo a sua quase
total analogia. Tais afinidades compreendem, por exemplo, a existência de
espaços e lugares dedicados a reuniões coletivas (Barba, 2007; DaMatta, 2014),
os calendários que separam os eventos do tempo sagrado daquele do tempo
ordinário, os rituais pré-liminares, liminares e pós-liminares, os heróis e os
santos, a capacidade de mobilizar fortes emoções coletivas permitindo a
experimentação de momentos extraordinários, transcendendo, temporariamente, os
confins entre o “eu” e o “mundo” (Ionescu & Labridy, 2008).
Apesar
das evidentes afinidades, outros estudiosos afirmam que os dois âmbitos possuem
também diferenças fundamentais. Por exemplo, a orientação da religião ao
sobrenatural e ao transcendental, duas categorias ausentes no esporte
(Bromberger, 1999; Turpin, 1999).
Focando
a atenção no debate sobre as analogias e diferenças existentes entre o futebol
e a religião, o antropólogo francês C. Bromberger, que estudou o “fenômeno”
futebolístico nos anos de 1990, tornando-se uma referência incontornável para
quem quisesse explorar este tema na perspectiva antropológica, põe em duvida a
“ênfase” de tomar o jogo de futebol como um ritual “religioso”:
Devemos confessar que hesitamos e relutamos em
percorrer este caminho que representa a última brecha para examinar os
acontecimentos sociais os mais diferentes: reuniões de indivíduos (encontros
esportivos, show de música rock, manifestações políticas) práticas da vida
cotidiana pouco codificadas ou programadas (gestos de trabalho, recepções,
conferências), ou comportamentos transgressivos nos quais se manifesta o
“sagrado” em seu estado “puro” (Bromberger, 1999, p. 230).
E se faz uma pergunta:
Pode haver a tentação de comparar a partida de
futebol a um ritual. Mas é uma abordagem útil, que permite de isolar as
caraterísticas essenciais do espetáculo esportivo, ou de um simples jogo
metafórico que atrapalha, em vez de esclarecer, a análise do fenômeno? (p. 229).
De fato, no capítulo 18 – “As dimensões rituais da partida de futebol” (Bromberger, 1999, p. 227), encontramos várias analogias entre “jogo de futebol” e “ritual religioso”. Alguns exemplos:
“Para os torcedores mais fervorosos o gramado de
um estádio de futebol possui todas as caraterísticas de uma terra santa” (p. 236);
“a divisão do público dentro do estádio recorda a distribuição dos grupos
sociais em ocasião das grandes cerimônias religiosas (…) as competições seguem
um calendário regular e cíclico” (p. 237).
Mais especificamente, os jogadores de futebol, antes
de uma partida, operam um conjunto de práticas e crenças propiciatórias: “colocar
uma camisa que dê sorte, escolher uma chuteira com o máximo cuidado, não se
barbear para conservar a energia viril (…)” (pp. 245-257).
Frequentes, também, são comportamentos tomados da
religião católica oficial ou popular:
Em Marselha, por exemplo, antes de uma partida
importante, o time local realiza regularmente seu rito propiciatório indo em
peregrinação a Notre-Dame de la Garde
(…) Em contextos sul-americanos e sobretudo africanos, também os mágicos
participam da empreitada para a captação mágica do destino (Bromberger, 1999, pp. 248-249).
Existem, portanto, uma série de aspectos e de
fatos convergentes que “parecem
dissipar quaisquer dúvidas sobre a natureza ritual da partida de futebol” (Bromberger, 1999, p. 257).
Encontramos analogias de forma (“uma estrutura espacial, ritmos
temporais, formas específicas de agrupamento”p. 257);
de funcionamento (“um
cenário programado, a instauração de uma anti-estrutura que atenua as
hierarquias ordinárias” p. 257); de comportamento (“um fervor
emocional que se expressa através de atitudes estereotipadas, a paixão, as
crenças” p. 257); e de
afinidades simbólicas (“nós” e “os outros”, a vida e a
morte, o bem e o mal, a justiça e a injustiça”) (Bromberger, 1999, p. 257).
Podemos, igualmente, perceber como o futebol lida
bem com outra característica dominante do rito, ou seja, a sua plasticidade, a
capacidade de ser polissêmico, de se adaptar às mudanças sociais.
Mais detalhadamente, uma análise interessante de aproximar “futebol” e “religião” foi desenvolvida pelo antropólogo italiano Bruno Barba. Em “Un antropologo nel pallone” (2007), tentou comparar um grupo de candomblé – “religião afro-brasileira nascida da união entre o catolicismo e os cultos africanos dos escravos” (Barba, 2007, p. 62) – e um time de futebol[7].
Segundo o antropólogo italiano, as principais analogias encontradas seriam:
· O “terreno”: seria o lugar físico onde os jogadores se preparam e, também, o “terreiro”, o espaço onde o grupo de candomblé desenvolve os próprios rituais (Barba, 2007)
·
A importância das imagens: podemos observar, diz
Barba (2007), a importância, nos centros de formação dos times profissionais,
das imagens de vitórias ou dos principais jogadores que fizeram a “história” do
clube, assim como os terreiros de candomblé
são sempre decorados com as imagens dos orixás
e dos fundadores da casa do culto. Segundo Barba (2007), haveria, tanto no
time quanto no grupo de candomblé, um forte sentido de “família”: “celebram-se
os ancestrais assim como veneram-se as antigas glórias do futebol” (p. 62).
· Um lugar “secreto”: um time de futebol e o terreiro de candomblé possuem espaços que os “estranhos” não podem “visitar”: “a sala dos troféus de um time de futebol corresponde à sala dos orixás do terreiro, aonde são conservados os altares exclusivos das divindades” (p. 62).
Sempre no jogo das analogias, o presidente de um time de futebol é comparável à figura do pai ou mãe de santo. De fato, para o antropólogo italiano, eles parecem ter as mesmas características: “carisma, experiência, capacidade de introspecção psicológica, decisão e coragem perante as dificuldades e disponibilidade financeira” (p. 64).
Por fim, no jogo das analogias, encontramos a “hierarquia”: “cada grupo religioso, como cada time de futebol, é constituído em maneira piramidal” (Barba, 2007, p. 66), a noção de “tempo” (“no candomblé o tempo é marcado por um calendário de festas que celebram os orixás (…) assim como o jogo de futebol é o ritual semanal” p. 68) e a noção de “sacrifício” (“o sacrifício permite a vida no candomblé (…) também os técnicos de futebol pedem para “doar o sangue” p. 68).
Seja como for, o que precede permite a indagação
se a aproximação e as analogias simbólicas entre “rito”, “futebol”, “religião” seriam,
como coloca Bromberger (1999) o reflexo de um “panritualismo enlouquecido que
enxerga o sagrado em cada situação aonde não governe uma rigorosa lógica
prática ou racional” (p. 230),
ou se, pelo contrário, como sugere, ironicamente, Augé (1982) “talvez o
Ocidente esteja à frente de uma religião e não perceba isso” (p. 8).
O futebol “é sagrado”: a escola durkhiamana
Segundo Olivier
Bobineau (2011), a partir da década de 1980, “uma revolução antropológica afeta
o individuo” (p. 1). A conjunção, naquela década, de três crises inéditas – econômicas,
político-ideológica e religiosa, “formará novas gerações de indivíduos muito diferentes
das anteriores (…). Nesse período o indivíduo torna-se hipermoderno” (p.1).
A socióloga Aubert
(2004) propõe quatro características/mutações antropológicas próprias do individu hypermoderne:
Para entender o que seriam e como funcionam os
indivíduos hipermodernos, precisamos partir de um certo número de elementos (…).
Primeiro elemento: o advento de uma nova relação com o tempo marcada por uma
aceleração contínua. Segundo elemento: o advento de uma nova relação com os
outros marcada pelo efêmero. Terceiro elemento: o advento de uma nova relação
consigo mesmo marcada pela superação de si, pela intensidade, pelo excesso de
si. Quarto elemento: a visibilidade: como a preocupação com a visibilidade de
si prevalece sobre a noção de interioridade (…) (Aubert, 2004, p. 18).
É a “visibilidade
de si”, segundo Aubert (2004), a grande característica do indivíduo hipermoderno,
tanto no esporte (na busca e no culto da performance, na superação dos próprios
limites) como na religião (o “pentecostalismo emocional”).
Esta característica
da visibilité de soi está relacionada com a mutação da relação que o homem estabelece com os
próprios limites (Queval, 2014). Uma
mutação que começou a se realizar com o desenvolvimento da ciência (século
XVII) que levou o homem ocidental a pensar que qualquer coisa é perfectível,
até mesmo o próprio corpo:
Assim como no domínio filosófico afirma-se o
sujeito cartesiano (…) conquistador de um mundo infinito, na consideração do
corpo afirma-se uma espécie de auto-invenção de si, de apropriação da
perfectibilidade corporal, entrando logo em ressonância com a ideia de
progresso” (Queval, 2004, p. 278).
Ao superar um recorde, o esportista não
busca só a visibilidade pessoal, mas também quer confirmar a sua grandiosidade.
Na superação de seus limites, o homem alcança o absoluto, como escreve Michel
Bouet (1968), em “Signification du sport”:
A procura da melhoria perpétua e a vontade
de rejeitar sempre os limites alcançados, o significado do desempenho não se
esgota, não entanto, numa vã aspiração (…) porque a ação que a produz é uma
ação plenamente realizada (…) pois o sujeito expressa toda a sua força. A
procura da performance desenrola-se como uma manifestação intensa
da vida (…) leva ao absoluto no ato na qual ela se exprime (Bouet, 1968, p. 40).
D. Bodin e S. Héas comentam sobre a busca da performance como “a procura da vertigem, da superação dos limites de si, dos limites dos outros, para alcançar uma espécie de eternidade” (Bodin & Héas, 2002). Na realização da performance, o esportista experimenta uma emoção intensa semelhante a uma emoção religiosa: “estou além de mim, além da realidade, estou no futuro. Eu tenho um tipo de força que me aproxima de Deus” (A. Senna, 1994).
É nesta linha de
pesquisa que se inserem trabalhos da escola durkheimiana (1912), que veem no
esporte o meio de realização de uma “nova” experiência religiosa e sagrada
(Coles, 1975; Ionescu & Labridy, 2008).
Coles (1975) tentou
mostrar como a análise durkheimiana das atitudes e das práticas religiosas
poderia se aplicar à realidade social do futebol. A reunião de milhares de
indivíduos experimentando os mesmos sentimentos e expressando-os através do
ritmo e do canto “parecia-lhe criar as condições para uma transformação da
psique individual, para uma percepção sensível do sagrado análoga daquela que
Durkheim evoca em relação aos ritos expiatórios australianos” (p. 7).
No artigo de
Ionescu e Labridy (2008), a busca obsessiva pela performance esportiva é lida
como a máxima expressão de um “novo” sagrado. Contrariamente ao que se poderia
pensar, a modernidade não teria cancelado o sagrado, mas o teria aproximado do
homem (Ionescu & Labridy, 2008).
Segundo Turpin
(1999), a ambivalência de rejeição e integração do sagrado é o indicador de que
a sociedade moderna, fundada na racionalidade, não conseguiu eliminar a sua
dimensão religiosa.
Para este sociólogo
francês, o homem era, é, e permanece, um “animal
religieux”.
A “religião visível”: o futebol evangélico no Brasil
O futebol brasileiro[8] sintetiza bem a análise desenvolvida sobre as relações e imbricações entre futebol e religião.
Com efeito, diversos estudos demostraram que a visibilidade religiosa no âmbito futebolístico está relacionada, empiricamente, ao campo evangélico pentecostal e neopentecostal[9].
Este fenômeno “futebolístico-evangélico” é a consequência lógica do avanço evangélico, mais especificamente pentecostal e neopentecostal, nos espaços públicos brasileiro (Montero, 2006; Pierucci, 2012; Sanchis, 1997).
De fato, a mais “hegemônica” das “religiões periféricas ou marginais” bem se aproveitou do processo de diferenciação entre as esferas do político e do religioso. Laicizando-se, o Brasil, de um ponto de vista religioso, se pluralizava (Pierucci, 2012).
Resumindo, enquanto o Catolicismo perdia a sua hegemonia (jurídica) retraindo-se do espaço social, outras denominações religiosas entravam na disputa para ampliar a dimensão religiosa do espaço público (Montero, 2006; Pierucci, 2012).
Sem entrar em detalhes, não custa lembrar que no
Brasil o processo de modernização, ou seja de diferenciação e emancipação das
esferas políticas, econômicas e científica em relação à religiosa, não
produziu, como irreversível consequência, um enfraquecimento da religião como
força social e sua “invisibilização” na esfera pública.
Nesta perspectiva, Sanchis (1997) pontuou que as religiões dos brasileiros estão cada vez mais visíveis, e, longe de se tornar questões (exclusivamente) ligadas aos “afetos dos corações”, partilham, competindo, um espaço público heterogêneo e efervescente.
Em outras palavras, o espaço público se configura como um território atento às liberdades religiosas, corroborando a tese de que o fundamento da separação Igreja/Estado (o Estado brasileiro é laico desde a Constituição de 1891) repousa na construção de uma sociedade civil na qual as pessoas de diferentes religiões e crenças podem conviver (idealmente[10]) pacificamente.
Neste cenário religioso, destacou-se, pela sua visibilidade, crescimento numérico, simbólico, político e econômico, o segmento evangélico pentecostal e neopentecostal.
Mais
especificamente, no que diz respeito ao âmbito futebolístico, os trabalhos de
Jungblut (1994) e Rial (2013) analisam o nexo entre religião e futebol a partir
da visibilidade que os atletas evangélicos (Atletas de Cristo[11]) adquiriram a partir da década de 1980 e que coincide
com o “aumento meteórico das igrejas evangélicas no Brasil” (Rial, 2013).
A visibilidade evangélica, mas não exclusivamente, no futebol é expressa através dos gestos em campo de agradecimento a Deus, de inscrições de palavras sagradas nas camisetas (Deus é minha força, Deus é fiel, Obrigado a Jesus, Eu pertenço a Jesus), referências a Deus e a Jesus Cristo em entrevistas, depoimentos e testemunhos. Segundo a antropóloga Rial (2013), esses gestos simbólicos “promovem crenças religiosas em escala global”, permitindo visibilidade da fé evangélica.
Em minha tese de doutorado (Petrognani, 2016), tenho mostrado etnograficamente a visibilidade, em termos numéricos, dos jogadores evangélicos nas categorias de base do Sport Club Internacional, de Porto Alegre. Os dados a esse respeito são irrefutáveis: dos 100 atletas que responderam à questão “religião”: 56 declararam-se católicos, 34 evangélicos, 8 declararam não ter uma religião, 1 declarou ser seguidor da Umbanda, 1 declarou pertencer ao espiritismo.
Os dados futebolísticos refletem, também, o andamento estatístico nacional: segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2012[12]), 60% dos brasileiros se declararam católicos, 22% evangélicos, 8% sem religião, 5% de outras religiões, 0,31% declararam serem adeptos das religiões de matriz afro-brasileiras[13].
É possível afirmar, portanto, tendo em consideração o fenômeno sociológico evangélico na sua complexidade, que também no âmbito futebolístico, a “religião visível[14]”, organizada e estruturada[15], é a evangélica.
Considerações finais
Procurei neste texto avançar e abrir um espaço para o debate e a reflexão sobre um tema ainda pouco pesquisado nas ciências sociais: as relações entre futebol e religião. Ou seja, tal como afirmam Sterchele & Molle (2011), as ciências sociais têm avançado pouco no debate e nas pesquisas sobre as relações entre religião e esporte e vice-versa. Como vimos, podemos resumir que a maioria dos estudos consistiu na interrogação se o esporte poderia ser considerado ou não uma religião ou um “surrogate religion”, recuperando o título do ensaio de Coles (1975).
Sintetizando, podemos afirmar que ao longo do debate, do qual participaram renomados antropólogos como Barba (2007), Bromberger (1999), DaMatta (2014), concorda-se de que as analogias, embora presentes, não fariam de um esporte uma “religião”.
De fato, os anos 1980, se assim podemos dizer, retomando Bromberger (1999), é a década do “retorno do rito” e do “panritualismo”, que fez com que qualquer objeto social, inclusive o esportivo, fosse analisado nessa linha de pesquisa.
Não se trata de negar o caráter ritualístico de um jogo de futebol, assim como são evidentes as analogias entre esporte e religião. O que se produziu, porém, ao meu ver, foi um discurso que não avançou, ou seja, a sua interrogação limitou-se à procura de uma “religião” (universal?), produzindo poucas etnografias acerca deste objeto[16].
Um segundo ponto concernente a esse objeto estava chamando a atenção dos antropólogos e sociólogos: trata-se do tema da secularização / de- secularização, enfim, do “desencantamento do mundo”.
Num contexto que “avançava”, aparentemente, na direção do “fim da religião”, ou seja, da sua desinstitucionalização enquanto diretriz guia da vida humana, sociólogos e antropólogos procuraram encontrar nos esportes, no futebol em particular, as novas “religiões seculares”.
Enfim, o fato das relações entre religião e futebol consistir num tema hoje pouco pesquisado, é também outro assunto de reflexão[17]. Neste particular, se no contexto europeu não tivemos avanços significativos, o mesmo não se pode dizer para o contexto brasileiro. Isto porque aqui, como vimos, tem chamado a atenção dos especialistas (Jungblut, 1994; Petrognani, 2016, 2019, 2025; Rial, 2013) sobretudo as relações entre futebol e campo evangélico.
Esta atenção, de um ponto de vista sociológico, é “plenamente justificada”: o Brasil destacou-se, nos últimos quarenta anos, devido ao crescimento evangélico no espaço público, com destaque, também no campo futebolístico. Afinal, foi no Brasil que nasceu, na década de 1980, o grupo evangélico Atletas de Cristo[18], e sua visibilidade cresceu tanto que a antropóloga Rial (2013) afirmou existir uma “virada neopentecostal” no futebol brasileiro.
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Contribución de los autores
(Taxonomía CRediT): Este
artículo corresponde en su totalidad a Claude Petrognani
Editado
por: El comité editorial ejecutivo Juan Scuro, Pilar Uriarte y Victoria Evia
aprobó este artículo.
Nota: El conjunto de datos que apoya los resultados de este estudio
no se encuentra disponible
[1] Este texto é uma versão ampliada, revisada e atualizada do capítulo I “Esporte e religião: reflexões teóricas” da minha tese de doutorado “Futebol e religião no Brasil. Um estudo antropológico do fechamento” (Petrognani, 2016), defendida em setembro de 2016 na Universidade Federal Do Rio Grande do Sul (UFRGS/PPGAS).
[2] Há mais de dez anos venho desenvolvendo pesquisas sócio-antropológicas acerca das relações entre esporte (futebol) e religião. Destaco, portanto, algumas publicações sobre este assunto: Petrognani 2016; 2019, 2025. Além disso, participei, pelo programa da rede Globo “Esporte Espetacular”, na realização de um documentário sobre as relações entre futebol e religião no Brasil: “futebol e religião: a fé, a intolerância e as vozes da diversidade” (2022). Disponível em: https://globoplay.globo.com/v/10196140/; https://globoplay.globo.com/v/10215032/
[3] Todas as traduções são de minha autoria.
[4] J. P. Thuillier é professor e diretor do departamento de ciências das antiguidades à l’École Normale Supérieure. É especialista de esporte na antiguidade e da civilização etrusca.
[5] Sabe-se que o esporte como fenômeno moderno se configura através de processos que vão além da secularização. Mais especificamente haveria sete processos chaves que configurariam os esportes modernos: a secularização, a especialização, a codificação, a racionalização, a burocratização, o principio de igualdade e a difusão dos esportes como prática espetacular e de difusão de massa (Guttmann, 1978).
[6] Para aprofundar o discurso sobre o conceito de esporte moderno ver, entre outros, Olivera Betrán (1994).
Para uma abordagem antropológica sobre este conceito sugiro também a leitura de Descola P. (2022), na qual o autor procura desconstruir o conceito ocidental de esporte moderno.
[7] O antropólogo DaMatta (2014), no âmbito das analogias simbólicas entre futebol e religião, também comparou “um goleiro a um sacerdote, à bola à hóstia, os torcedores aos profanos”. Mais especificamente, para o antropólogo brasileiro “o futebol é uma atividade que apresenta semelhanças com o misticismo religioso, já que os torcedores têm fé e esperança que determinado time vença”.
[8] R. DaMatta dedicou diversos estudos sobre o “futebol brasileiro” como “fato social total”.
[9] Há elementos próprios do campo evangélico neopentecostal - em particular a doutrina conhecida como Teologia da prosperidade - que possibilitam aos “jogadores-celebridades” viver como milionários sem culpa (Rial, 2013).
[10] De acordo com Pierucci (2012): “Muito embora essa concorrência (religiosa) seja evidentemente imperfeita, a assimetria dos contendores não impede que todo instante o cenário se diferencie e pluralize com o aflorar inestancável de um empreendedorismo religioso inteiramente inesperado” (p. 88).
[11] A associação Atletas de Cristo pode ser vista como integrando a tendência evangélica denominada neopentecostal. Trata-se de uma tendência evangélica que segue os preceitos do pentecostalismo tradicional, mas que aciona, também, as teologias da guerra espiritual e da prosperidade, além de enfatizar a necessária presença religiosa no espaço público.
Sobre esta associação esportiva ver Petrognani (2019).
[12] Um estudo mais recente (Souza, 2019) indica um ulterior crescimento evangélico (32%) e um ulterior declínio católico (52%).
[13] Sobre a “invisibilidade” das religiões de matriz afro-brasileiras no futebol ver Petrognani (2016).
[14] Em outro estudo tenho demostrado, a partir da análise do “fechamento” – uma prática comum entre os jogadores brasileiros que reveste-se de intensa densidade simbólica por galvanizar e condensar as principais mentalidades religiosas que compõem o pluralismo religioso brasileiro- que, simbolicamente, o futebol brasileiro é “sincrético” (Petrognani, 2016, 2019, 2025).
[15] No âmbito futebolístico ver, a este respeito, a associação Atletas de Cristo. No âmbito político ver, a este respeito, um estudo recente que demonstrou a capacidade de organização e a estrutura das Igreja evangélicas como “maquinas eleitorais” (Prandi et al., 2019).
[16] A este respeito Bromberger (1999) dedica, no capítulo 18 – “As dimensões rituais da partida de futebol” (Bromberger, 1999, p. 227), amplo espaço entorno deste debate assim como Barba (2007) no capítulo 5 “Torcer, religião, superstições”.
[17] No Brasil Toledo (2001) tinha ressaltado as poucas monografias produzidas sobre futebol e religião.
[18] Os Atletas de Cristo surgiram no Brasil na década de 1980 graças a um então atleta de futebol do Club Atlético Mineiro, João Leite. Mais de quarenta anos após seu surgimento, os Atletas de Cristo, em razão do seu crescimento numérico, também para além das fronteiras nacionais, conhecem, ainda hoje, um grande sucesso. (Petrognani, 2019).