A Rede de Salas Digitais do MERCOSUL e a promoção da diversidade cultural

The MERCOSUR network of digital cinema theaters and the promotion of cultural diversity

 

Maria Julia Carvalho

 Asistente de investigación, Facultad de Información y Comunicación (FIC)

majucarvalho@gmail.com

 

Fecha de recibido: 3/4/2018

Fecha de aceptado: 25/06/2018

Resumo
A Rede de Salas Digitais do MERCOSUL (RSDM), implementada pela Reunião Especializada de Autoridades Cinematográficas e Audiovisuais do MERCOSUL (RECAM), é a atual política de mais destaque proposta pelo bloco regional no âmbito da circulação audiovisual. Em sua resolução de criação, a iniciativa considera a necessidade de facilitar o acesso à Diversidade Cultural audiovisual do bloco (MERCOSUR/GMC/RES. Nº28/15). Através de levantamento bibliográfico sobre o desenvolvimento institucional da RECAM e análise de documentos, buscamos contextualizar suas diretrizes de elaboração em diálogo com uma tendência regional e internacional marcada por uma forte influência da UNESCO (VLASSIS, 2016; ALBORNOZ, 2015; MEJIA, 2009), assim como compreender como a política cultural pode contribuir para a promoção da Diversidade Cultural na região.

Palavras-chave: Políticas cinematográficas, MERCOSUL, Diversidade Cultural

Abrstract: The MERCOSUR Network of Digital Cinema Theaters (RSDM), implemented by the MERCOSUR Specialized Meeting of Cinematographic and Audiovisual Authorities (RECAM), is the standing current policy proposed by the regional bloc regarding film distribution. In its creation agreement, the initiative considers the need to facilitate access to the block's audiovisual cultural diversity (MERCOSUR/GMC/RES. Nº28/15). By means of a bibliographic survey of the institutional development of RECAM and documents analysis, we pursue to contextualize the elaboration of its guidelines influenced by regional and international tendency of strong influence from UNESCO (VLASSIS 2016, MEJIA 2015, ALVES 2012); as well as to understand how cultural policy truly contributes to the promotion of cultural diversity in the region.

Keywords: Cinematographic policies, MERCOSUR, cultural diversity

Introdução

A Rede de Salas Digitais do MERCOSUL (RSD), implementada pela Reunião Especializada de Autoridades Cinematográficas e Audiovisuais do MERCOSUL (RECAM), é a atual política de mais destaque proposta pelo bloco regional no âmbito da circulação audiovisual. Em sua resolução de criação, a iniciativa, que consiste na formação de um circuito de salas de exibição direcionado à circulação de filmes da região, considera a necessidade de facilitar o acesso à Diversidade Cultural audiovisual do bloco (MERCO/SUR/GMC/RES. Nº28/15).

O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) é um processo de integração regional formado inicialmente pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai - ao qual foi posteriormente incorporado a Venezuela (atualmente suspensa) e a Bolívia, que segue em processo de adesão. No âmbito da integração do bloco, o cinema foi o único setor das indústrias culturais que teve um avanço efetivo através da criação institucional da RECAM e das consequentes políticas regionais implementadas (MOGUILLANSKY, 2017: 375), entre elas a Rede de Salas Digitais do MERCOSUL.

A iniciativa nasce a partir do programa MERCOSUL Audiovisual financiado por um acordo assinado com a União Européia. Para conformar a Rede, foram escolhidas trinta salas de cinema já existentes e espalhadas pelo território regional.

Por se tratar de uma política que se propõe a “facilitar o acesso à Diversidade Cultural audiovisual” do MERCOSUL em um contexto marcado por um desequilibrado de mercado audiovisual, nos perguntamos como a Rede de Salas Digitais do MERCOSUL pode contribuir para o acesso à Diversidade Cultural da região? Quais os principais aspectos referentes à Diversidade são considerados pela política? Quais são suas principais limitações de atuação?

Através de levantamento bibliográfico sobre o desenvolvimento institucional da RECAM e análise de documentos, no presente artigo buscamos contextualizar como as diretrizes de elaboração desta política cultural dialogam com a tendência regional e internacional marcada por uma forte influência da UNESCO (VLASSIS, 2016; ALBORNOZ, 2015; MEJIA, 2009), assim como compreender como a RSD de fato pode contribuir para a promoção da Diversidade Cultural na região.

 

Criação da RECAM

A globalização cultural trouxe aos Estados nacionais, assim como aos organismos internacionais, novos desafios em relação à cultura. Com a ampliação dos fluxos transnacionais cinematográficos, surge também o medo à um mundo unipolar que gire ao redor da produção cultural norte-americana (BOLÁN, 2006). Nesse contexto de economias de escala, circuitos globais e produtos transnacionais, o cinema latino-americano também é atravessado pela lógica capitalista global.

Ainda que as cinematografias da região não sejam simétricas, a história e os projetos políticos tornaram suas respectivas dificuldades bastante semelhantes entre si. As políticas neoliberais implementadas pelos estados nacionais no continente, nos anos 90, com a liberação dos mercados, sem cotas de tela nem políticas de proteção aos cinemas nacionais, possibilitou que a produção das majors de Hollywood ocupasse grande parte dos mercados, limitando assim os espaços das produções locais (GARCÍA CANCLINI, 2005).

Com uma baixa nos orçamentos para a cultura, houve uma significativa queda na produção audiovisual latino-americana. Nesse período, mesmo Argentina e México, países com mais tradição cinematográfica, demonstraram uma significativa diminuição no número de salas e espectadores. García Canclini (2005) assinala que houve uma regressão do desenvolvimento cultural: momento em que se retrocede em relação a capacidade das sociedades latino-americanas de afirmar a imagem de cada nação e da América Latina em seu conjunto nos mercados e cenários simbólicos internacionais.

A concentração em torno dos grandes grupos multinacionais gerou uma expansão desigual das indústrias cinematográficas na região. A abertura e a desregulação dos mercados não favoreceu mais difusão nem diversificação dos bens audiovisuais a fim de oferecer uma visão mais complexa e heterogênea do mundo (GARCÍA CANCLINI, 2005).

Apesar desse cenário marcado pela hegemonia da produção de Hollywood e com um baixo fluxo transnacional de produtos audiovisuais próprios da região, Canedo (2009: 228) aponta que os anos 2000 se tratou de um contexto cinematográfico regional favorável a articulação dos atores interessados na integração regional. Foi um momento em que a região vivenciou um período conhecido como a Buena Onda do cinema local: a Retomada do cinema brasileiro, o Nuevo Cine Argentino e o Boom Uruguayo.

Período em que também foram realizados diversos eventos de articulação da rede de profissionais do cinema regional como o Mercocine, o Amerigramas, o Festival Latino-Americano de Cinema e Vídeo e o Florianópolis Audiovisual do MERCOSUL (FAM). A autora também destaca a Associação de Produtores Audiovisuais do MERCOSUL (Apam) e a Televisão da América Latina (TAL) pelo papel aglutinador que exerceram posteriormente na região.

Por meio do Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales de Argentina (INCAA), a Argentina é quem faz o primeiro movimento para a institucionalização de um organismo responsável pelas políticas de integração audiovisual da região ao criar, em 2002, o Escritório do MERCOSUL. Além de concretizar o Acordo de Co-distribuição entre Argentina e Brasil, o escritório promoveu também a criação do Foro de Autoridades Cinematográficas del MERCOSUR em 2003. O Foro reúne pela primeira vez representantes dos organismos nacionais de cinema de cada país da região e apresenta em novembro de 2003 o projeto para a criação da Reunião Especializada de Autoridades Cinematográficas e Audiovisuais do MERCOSUL (RECAM). (CANEDO, LOIOLA, & PAUWALS: 2015)

A criação da RECAM, em 2003, demarcou um avanço no processo de integração entre os cinemas da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. O organismo é formado pelas máximas autoridades[1] governamentais nacionais do cinema e audiovisual de cada país, e se configura como um órgão consultor do bloco sobre a temática. Dentro da estrutura institucional do MERCOSUL, a RECAM - junto com outras Reuniões, Subgrupos de Trabalho, etc - forma parte do Grupo Mercado Comum (GMC) que é o organismo executivo do bloco regional.

Em seu documento de criação, a RECAM é fundada com a finalidade de analisar, desenvolver e implementar mecanismos destinados a promover a complementação e integração dessas indústrias na região, a harmonização de políticas públicas do setor, a promoção da livre circulação de bens e serviços cinematográficos na região e a harmonização dos aspectos legislativos. (MERCOSUL/GMC/RES. Nº 49/03)

No âmbito da integração regional do MERCOSUL, o cinema é o único setor das indústrias culturais do bloco que teve um avanço efetivo através da criação institucional e das consequentes políticas regionais implementadas. (MOGUILLANSKY, 2017: 375). Passados cinco anos da criação da RECAM, a União Européia e o MERCOSUL assinam o acordo de financiamento do Programa MERCOSUL Audiovisual (PMA) que representou a mais importante - até a história presente do organismo - injeção de fundos e assistência técnica. O programa contou com um orçamento de € 1,86 milhão, sendo € 1,5 milhão proveniente da UE e do € 360 mil do MERCOSUL, para o período de 2009 a 2013.

 

Cooperação audiovisual UE-MERCOSUL

A primeira menção do MERCOSUL ao setor audiovisual como objeto de política pública acontece junto com a possibilidade de cooperação com a União Europeia. Apesar de os três primeiros acordos de cooperação UE-MERCOSUL, celebrados em 1991, 1995 e 2000, fazerem previsão a investimentos para o cinema do MERCOSUL, apenas em 2009 os dois blocos assinaram um acordo denominado Programa MERCOSUL Audiovisual (PMA) (CANEDO, LOIOLA, & PAUWALS: 2015).

No acordo de cooperação, a experiência europeia no desenvolvimento de políticas de integração audiovisual regional aparece como um modelo a ser seguido. Canedo (2009) é crítica ao termo "cooperação" que é utilizado para definir os acordos inter-regionais UE-MERCOSUL, por tratar-se da transferência de recursos e de experiência da UE na direção do MERCOSUL e pouca ou quase nenhuma influência do MERCOSUL no modelo europeu. Portanto, se trataria de uma "cooperação" de mão única.

Os acordos de cooperação UE-MERCOSUL revelam um discurso baseado na promoção da integração sul-americana através da experiência europeia. Nessa visão, o MERCOSUL, recém-formado, poderia se beneficiar do histórico conhecimento europeu na formulação de políticas regionais. A inclusão do cinema nas relações inter-regionais UE-MERCOSUL como uma alternativa de combate à indústria cinematográfica de Hollywood pode ser vista como uma amálgama de interesses culturais, geopolíticos e econômicos que refletem o próprio caráter multidimensional do cinema. (CANEDO: 2009, 221)

No contexto internacional, destacamos que a partir da “Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais”, o discurso em defesa da Diversidade Cultural contra a hegemonia da cinematografia teve mais espaço no âmbito das relações internacionais. Canedo (2014) afirma que essa ação aparece como uma justificativa para a realização da cooperação União Europeia com o MERCOSUL no setor cinematográfico.

A Convenção foi aprovada pela UNESCO em 2005 em sua XXXIII Conferência Geral. Entre las delegações presentes na reunião, foram computados 148 votos a favor; quatro abstenções: Austrália, Nicarágua, Honduras e Libéria; e somente dois países, que ainda não ratificaram a Convenção, votaram contra: os Estados Unidos e Israel. Albornoz (2015: 156) aponta que o documento pode ser considerado uma ferramenta que contribui para a governança internacional do mundo, como contrapeso à liberalização dos bens e serviços de todo tipo – inclusive os audiovisuais –, hoje defendidos através da Organização Mundial do Comércio (OMC).

 

A Convenção de 2005 entende a Diversidade como a multiplicidade de formas em que se expressam as culturas dos grupos e sociedades, expressões que se transmitem dentro e entre os grupos e as sociedades. E defende a necessidade de incorporar a cultura como elemento estratégico nas políticas de desenvolvimento nacional, colocando a cooperação internacional e o desenvolvimento sustentável como um dos eixos estratégicos da convenção (MEJÍA, 2009: 127). O documento também enfatiza a importância do “acesso” ao referir-se ao “acesso equitativo a uma rica e diversificada gama de expressões culturais provenientes de todo o mundo” e “o acesso das culturas aos meios de expressão e de difusão”, (UNESCO, 2005, p. 4). (ALBORNOZ, 2015: 159)

Ao realizar uma análise sobre a relação diplomática da União Europeia com o MERCOSUL no âmbito cinematográfico, Vlassis (2016) aponta como a diplomacia da UE buscou promover o modelo europeu de audiovisual na região do MERCOSUL. Segundo o autor, ainda que a Convenção da Diversidade não seja especificamente mencionada, a cooperação cinematográfica entre os blocos regionais se baseou em dois de seus princípios fundamentais: a especificidade dos bens e serviços culturais e a importância das políticas culturais para a Diversidade das expressões culturais.

Vlassis também afirma que a UE teve um papel fundamental nas negociações que conduziram a adoção da Convenção, sendo considerada como um dos principais atores em sua aprovação, dado seu efeito integrador dos interesses dos estados membros. A respeito disso, a "Agenda Europeia para a Cultura num Mundo globalizado", adotada em 2007, reconhece explicitamente a UE como um ator cultural nas relações internacionais e reivindica um papel protagonista da UE em relação às normas da Convenção da Diversidade. (VLASSIS, 2016: 98)

 

Rede de Salas Digitais do MERCOSUL e a Diversidade Cultural

Anunciando o objetivo de fortalecer o setor audiovisual do bloco como um instrumento que favorece o processo de integração regional, o Programa MERCOSUL Audiovisual (PMA) é dividido em quatro eixos de trabalho: “estudos da legislação no setor audiovisual nos países do MERCOSUL”, “patrimônio Audiovisual do MERCOSUL”, “fortalecimento das capacidades profissionais e técnicas” e “implementação de Rede de 30 salas digitais nos países do MERCOSUL”.

A partir de então, a Rede de Salas Digitais do MERCOSUL (RSD) se torna a principal política proposta pelo bloco no âmbito da circulação audiovisual. Foram escolhidas trinta salas de exibição, já existentes, distribuídas em território regional: dez na Argentina, dez no Brasil, cinco no Paraguai e cinco no Uruguai para a circulação de conteúdos audiovisuais do MERCOSUL. A Coordenadora de Programação Regional, instalada em Montevidéu, tem a função de gestionar a programação e a transmissão de conteúdos em cada uma das salas situadas em suas respectivas localidades. Em sua resolução de criação, entre outras considerações, é enfatizada a necessidade de “facilitar o acesso à Diversidade Cultural audiovisual do bloco”(MERCOSUL/GMC/RES. Nº28/15).

Em 2018, a atividade completa dois anos de funcionamento. Com sua instalação iniciada em julho de 2014, no final de setembro de 2015 o PMA anunciou a finalização desta etapa. Em 2016, as cinco salas situadas no Uruguai começaram a programar e, no ano seguinte, se somam a programação quatro salas na Argentina e três no Paraguai.

Como observamos, as diretrizes e opções discursivas da Rede de Salas Digitais do MERCOSUL não são feitas de forma aleatória. A elaboração da política segue as tendências discursivas propostas pela UNESCO, em consonância com o contexto internacional e a implementação da Convenção de 2005. Como percebe Meijía (2015), a UNESCO continua sendo o lugar de onde se irriga boa parte da ação cultural no continente.

Leiva e Albornoz (2017: 8) apontam que para se compreender a relação entre as noções de diversidade e indústrias culturais é necessária uma visão integral, de forma que não se inspecione somente a diversidade analisando as características dos conteúdos postos em circulação – como a língua empregada, o formato utilizado ou as representações étnicas ou de gênero incluídas, como também não se deve reduzir a diversidade das indústrias culturais ao número e tipos de agentes vinculados à produção de bens e serviços que marcam fortemente nossa visão de mundo. Uma perspectiva integral dessa compreensão deve abarcar as diferentes fases de funcionamento das indústrias culturais: desde a própria criação-produção de conteúdos até o desfrute dos mesmos por parte dos cidadãos.

Nesse sentido, como uma política que se propõe a “facilitar o acesso à Diversidade Cultural audiovisual do bloco”, observamos que a Rede de Salas Digitais do MERCOSUL - dentro de suas devidas limitações - promove a Diversidade regional a partir de três principais eixos que se referem: ao conteúdo posto em circulação pela Rede, ao tipo de agentes vinculados a produção desses conteúdos e à contribuição para o desfrute dos cidadãos no que se refere ao acesso.

O “Catálogo 2016” de filmes para o ciclo de lançamento da RSD tem a clara intenção de retratar as diversidades culturais da região. A ênfase na representação da realidade social dos países do bloco está fortemente presente nos seus conteúdos: 12 dos 32 filmes disponíveis para distribuição na Rede tem uma perspectiva relacionada a desigualdade social. Memória, ditadura, violência e a questão indígena também estão entre as temáticas abordadas, deixando clara a comum história política e problemática social da região.

Além da Diversidade presente nos conteúdos postos em circulação, podemos observar que se tratam de filmes de pequenas e médias produtoras que certamente não teriam a possibilidade de obter esse alcance regional dentro do circuito convencional de exibição dominado pelas produções norte-americanas. Os produtos de Hollywood dominam uma média de 80% do mercado da região e dificultam a circulação inter-regional do produto cinematográfico (CANEDO, 2014; MOGUILLANSKY, 2017).

Um dos focos da política é promover a Diversidade Cultural audiovisual do MERCOSUL ao facilitar o acesso a produtos audiovisuais da região. Exibidos de forma descentralizada pela Rede, os conteúdos que circulam pelas salas não são de fácil acesso fora de seu país de origem, ainda menos nas localidades situadas nos distintos interiores dos países. E em sua grande maioria, os filmes não tiveram uma distribuição comercial internacional.

Um outro importante debate a ser realizado a respeito da temática é sobre a recepção dos conteúdos postos em circulação, assim como sobre as estratégias de aproximação a um público não acostumado a aceder a esse tipo de conteúdo. O fato de ampliar a distribuição desses filmes, não garante a que se amplie e diversifique o público do cinema regional.


Considerações finais

Como uma política cinematográfica que se propõe a facilitar o acesso à Diversidade Cultural audiovisual, a Rede de Salas Digitais do MERCOSUL cumpre seu papel ao promover o acesso a uma significativa Diversidade de conteúdos produzidos pela região em um contexto marcado por um reduzido fluxo transnacional de filmes. A política contribui a com a circulação de conteúdos que antes não seriam exibidos nessas localidades.

No entanto, é necessário destacar que a iniciativa está longe de promover um real impacto na cadeia de distribuição da região que venha a promover a Diversidade em um contexto mais amplo. Com um outro olhar para as políticas culturais que buscam garantir a Diversidade e a interculturalidade nos circuitos transnacionais, Canclini (2006) enfatiza a importância de uma intervenção no mercado. O autor sugere que a entrega da responsabilidade ao mercado para que “organize” a interculturalidade não amplia o reconhecimento das diferenças.

Para Canclini, seriam necessárias políticas nacionais e internacionais que considerem a Diversidade por meio de legislações que controlem as tendências oligopólicas. Uma sociedade do conhecimento inclusiva requer padrões normativos nacionais e internacionais e soluções técnicas que respondam às necessidades nacionais e regionais, opondo-se à simples comercialização lucrativa das diferenças subordináveis aos gostos internacionais maciços. (CANCLINI, 2006)

Nesse sentido, a Rede de Salas Digitais do MERCOSUL, como principal política referente a distribuição cinematográfica implementada pela RECAM, tem um maior valor simbólico do que uma real intervenção nas estruturas de mercado consolidado e excludente no que se refere aos filmes latino-americanos. O bloco regional não se posicionou no sentido de criar mecanismos que realmente protejam os produtos regionais, como a criação de cotas de tela e políticas de proteção aos cinemas do MERCOSUL.

Marina Moguillansky (2010) recorda que na terceira reunião da RECAM, em setembro de 2004, foi acordada a proposta de impulsionar a implementação de uma Cota de Tela Regional como proteção e também incentivo ao fluxo transnacional de filmes no bloco, “mas este projeto não pode se concretizar até o momento, nem existem perspectivas de que se avance a curto prazo, devido a enfrentar a oposição de alguns atores da indústria cinematográfica”.

Assim concluímos que a Rede de Salas Digitais do MERCOSUL se trata de uma iniciativa incremental, como conclui Canedo (2009) ao analisar a política audiovisual do bloco como um todo. A autora se refere a Jan Loisen (2012) em sua análise da governança midiática global do cinema, no âmbito da OMC e da Unesco.

Segundo Loisen, a Convenção da Diversidade Cultural é uma política incremental que beneficia o setor, mas não é capaz de revolucionar o cenário do cinema global. Da mesma forma, a Rede de Salas Digitais do MERCOSUL, contextualizada no cenário das políticas culturais internacionais, promove a Diversidade Cultural mas de uma forma limitada neste desequilibrado mercado cinematográfico dos países do MERCOSUL.

 

Bibliografia:

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BAHIA, L. (2010). Novos contextos, outras estratégias: notas sobre o cinema latino-americano nos anos 2000. MÍDIA E AMÉRICA LATINA

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CANEDO, D. P. (2014). Todos contra Hollywood? Políticas, Redes e Fluxos do Espaço Cinematográfico do MERCOSUL e a Cooperação com a União Europeia.

GARCÍA CANCLINI, N. (2005). Cultura y comercio: desafíos de la globalización para el espacio audiovisual latinoamericano. El espacio audiovisual latinoamericano

GARCÍA CANCLINI, N. (2006). Diversidade Cultural. Enciclopedia Latinoamericana. Ed. Boitempo

GARCÍA CANCLINI, N. (2009). El poder de la diversidad cultural. Pensamiento Iberoamericano.

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LEIVA, M. y Albornoz, L. (2017). En Emili Prado (Dir.). Diversidad e industrias culturales. Cuaderns del CAC, núm.43, vol. XX – julio 2017.

UNESCO. (2005) Convenção Para Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. Paris.

VLASSIS, A. (2016). Organizaciones regionales y diversidad cultural: la diplomacia de la Unión   Europea con el Mercosur entre la sombra de Hollywood y la acción intergubernamental. Cuadernos de Información y Comunicación, 21, 97-115.

 



[1]                  O Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales (INCAA) pela Argentina, Secretaria do Audiovisual (SAV) e Agencia Nacional do Cinema (ANCINE) pelo Brasil, Secretaría Nacional de Cultura (SNC) do Paraguai e a Dirección del Cine y Audiovisual Nacional (ICAU) pelo Uruguay