CLAVES. REVISTA DE HISTORIA
VOL. 11, N.° 20 ENERO JUNIO 2025
ISSN 2393-6584 - MONTEVIDEO, URUGUAY
Pp. 1 - 29
Concepções políticas indígenas durante os processos
de independência no Rio da Prata na década de 1820
Indigenous political conceptions during the independence
processes in Rio da Prata in the 1820s
Isadora Talita Lunardi Diehl
1
Universidade de Brasília, Brazil
https://orcid.org/0000-0002-3209-4449
Felipe Schulz Praia
2
Universidade de São Paulo, Brazil
https://orcid.org/0000-0003-3182-0944
DOI: https://doi.org/10.25032/crh.v11i20.2443
Enviado: 04/12/2024
Aceptado: 17/05/2025
Resumo: O presente artigo busca explicitar algumas das concepções políticas
expressadas pelos sujeitos indígenas durante a década de 1820 no espaço do Rio da
Prata. Através da análise de relatos de viajantes e de documentos escritos por
lideranças guaranis oriundas dos antigos povoados guarani-jesuíticos, observamos
como esses sujeitos se apropriaram das disputas entre diferentes modelos políticos a
fim de elaborarem projetos próprios que respondiam aos interesses das suas
comunidades. A partir disso, foi possível identificar uma grande diversidade de
1
Bolsista de Pós-doutorado Júnior do CNPG, realizando o estágio pós-doutoral na Universidade
Nacional de Brasília, com supervisão da Profa. Dra. Vânia Losada Moreira. Realizou seu Doutorado em
História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), defendendo em 2023 a tese: Criando
fronteiras: guaranis e kaingangs diante dos processos de invisibilização pelo Estado (Rio Grande do
Sul, século XIX), com orientação da Profa. Dra. Helen Osório. A tese foi indicada pelo PPGH para o
Prêmio Capes de Teses 2024. É bacharel (2012) e licenciada (2016) em História pela UFRGS, onde
também realizou seu Mestrado (2016). Atualmente é coordenadora do GT Indígenas na História da
Associação Nacional de História- seção Rio Grande do Sul.
2
Doutorando em História Social na Universidade de São Paulo, sob orientação do Prof. Dr. Carlos
Alberto de Moura Ribeiro Zeron, e bolsista da CAPES. Obteve o título de Mestre em História pela
UFRGS, defendendo sua dissertação intitulada Para que cada pueblo se gobierne por si”:
modernidade política e atores indígenas na região do Rio da Prata (1810-1821), sob orientação de
Eduardo Santos Neumann. É licenciado em História pela UFRGS (2013). Tem como temáticas de
interesse história da América Latina e história do Brasil, com ênfase nos processos históricos que
envolvem as comunidades indígenas.
CONCEPÇÕES POLÍTICAS INDÍGENAS DURANTE OS PROCESSOS DE INDEPENDÊNCIA
- 2 - CLAVES. REVISTA DE HISTORIA, VOL. 11, N.º 20 (ENERO - JUNIO 2025) - ISSN 2393-6584
posicionamentos tomados pelos indígenas frente aos conflitos, mas que, em geral,
buscavam a defesa da soberania de suas comunidades guaranis e a manutenção dos
seus modos de vida, ainda que isso exigisse a elaboração de diferentes estratégias de
acordo com a conjuntura.
Palavras-chave: Rio da Prata, Indígenas, Independência, Guarani.
Abstract: The present article seeks to shed light on some of the political conceptions
expressed by Indigenous subjects during the 1820s in the Río de la Plata region.
Through the analysis of traveler's reports and documents written by Guarani leaders
from the former Guarani-Jesuit settlements, we observe how these subjects
appropriated the disputes between different political models to develop their own
projects that addressed the interests of their communities. From this, it was possible
to identify a great diversity of positions taken by indigenous people in the face of
conflicts, but which, in general, sought to defend the sovereignty of their Guarani
communities and the maintenance of their ways of life, even if this required the
development of different strategies depending on the circumstances.
Keywords: Rio de la Plata, Indigenous Peoples, Independence, Guarani.
1. Introdução
O presente artigo tem como objetivo explicitar algumas das concepções políticas
das populações indígenas durante a década de 1820, no vasto território dos antigos
povos guarani-jesuíticos do Paraguai.
3
Os indígenas, especialmente os guaranis,
desempenharam um papel central nas mobilizações militares da região missioneira,
que abarcava áreas do Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina. Suas filiações e escolhas
3
Entre o século XVI e o século XVIII, diversas reduções foram fundadas por padres da Companhia de
Jesus a fim de catequizar e reunir os indígenas que habitavam a região do Rio da Prata. Esse complexo
alcançou, em seu auge, o número de 30 povoados que estavam espalhados no que são atualmente os
territórios do sul do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. A partir de 1768, com a expulsão dos padres
jesuítas promovida pela Coroa espanhola, a administração de seus povoados sofreu uma série de
alterações tanto do ponto de vista de sua organização interna, quanto das jurisdições a que pertenciam.
Assim, entre fins do século XVIII e início do século XIX, a região encontrava-se dividida em três
jurisdições: os departamentos de Candelaria e Santiago estavam sob a influência do Paraguai. Os
povoados do lado oriental do Rio Uruguai, eram administrados pelos portugueses, desde 1801;
enquanto grandes territórios dos departamentos de Yapeyú e Concepción estavam sob jurisdição de
Corrientes (Wilde 328). No entanto, esse cenário se alterou diversas vezes em meio aos conflitos que
ocorreram ao longo do processo de independência. Para uma análise mais atenta a respeito dessas
mudanças, consulte Maeder 1992.
ISADORA TALITA LUNARDI DIEHL; FELIPE SCHULZ PRAIA
FACULTAD DE HUMANIDADES Y CIENCIAS DE LA EDUCACIÓN, UNIVERSIDAD DE LA REPÚBLICA - 3 -
políticas relacionavam-se ao contexto revolucionário do Prata, no qual estavam em
disputa variados modelos políticos: a manutenção da situação colonial ou a
independência; o estabelecimento de um sistema republicano ou monárquico; a maior
autonomia dos territórios ou a conformação de um governo centralizado. Por meio de
relatos de viajantes, de documentos escritos e, especialmente, da correspondência
entre lideranças dos amplos espaços geográficos que compunham o antigo complexo
missioneiro, é possível observar que os indígenas se apropriaram dessas discussões e
construíram projetos políticos que, longe de serem homogêneos, levavam em conta
uma variedade de concepções relacionadas às experiências das populações nativas
nesse espaço. Essas diferentes escolhas influenciaram não apenas o curso da história
das comunidades indígenas, como também o processo de formação dos Estados na
região.
Recentemente a historiografia tem contestado a ideia de que as camadas
populares o se engajaram nos processos das Independências ibero-americanas,
ressaltando como as agências das mulheres, dos povos indígenas e das populações
negras escravizadas e libertas influenciaram nos rumos políticos, econômicos,
culturais, institucionais e na conformação das fronteiras do longo processo de
formação das nações americanas (Cloclet da Silva e Cid 2022).
Eric Van Young (2006) analisou o envolvimento das camadas populares nos
conflitos na Nova Espanha entre 1810 e 1821. Ele apontou que a população rural,
especialmente os indígenas, pegou em armas não para construir uma nova nação, mas
para proteger suas comunidades, resistir à usurpação de terras e manter sua
independência, ameaçadas pelas reformas bourbônicas. Destacou que 55 % dos
envolvidos nas sublevações eram indígenas, com ações geralmente localizadas perto
de seus povoados, refletindo uma política localista e uma forte solidariedade
comunitária.
Diferente do que ocorreu na Nova Espanha, os indígenas do povoado de
Cimbres, em Pernambuco no Brasil, se colocaram favoráveis à continuidade da
monarquia. Mariana Albuquerque Dantas (2022) teceu uma crítica à historiografia
que analisou este posicionamento como um arcaísmo e um contraponto à
modernidade política, demonstrando que as escolhas políticas dos indígenas naquele
contexto podem ser interpretadas a partir dos objetivos de defesa material da
CONCEPÇÕES POLÍTICAS INDÍGENAS DURANTE OS PROCESSOS DE INDEPENDÊNCIA
- 4 - CLAVES. REVISTA DE HISTORIA, VOL. 11, N.º 20 (ENERO - JUNIO 2025) - ISSN 2393-6584
comunidade, especialmente em relação às terras que haviam sido doadas pelo monarca
português no século XVII.
Podemos observar, portanto, que as populações indígenas assumiram uma
variedade de posicionamentos políticos que também foram responsáveis pelos rumos
da História americana. Como observou Chiaramonte (Ciudades 15) para o caso
rioplatense, o curso dos acontecimentos apresentou linhas de desenvolvimento que
não necessariamente levavam a formação das nações nas formas como se
configuraram. Nesse sentido, este artigo explora como as propostas indígenas, em
especial para o espaço territorial das antigas Missões, foram fruto de acomodações
entre um contexto de intensa transformação e de pertencimentos comunitários
antigos.
A análise aqui empreendida irá se deter na década de 1820, momento
privilegiado para percebermos a readequação dos projetos políticos indígenas diante
das transformações conjunturais de ambos os lados do Atlântico. Durante o período
entre 1810 e 1816 fracassaram as tentativas de organizar um Estado rio-platense e não
se estabilizaram as relações entre as partes soberanas, fossem de forma centralizada,
federal ou confederal (Chiaramonte, «Notas y debates…», Ciudades). A região
missioneira foi fragmentada politicamente. Em 1811, o Paraguai se tornou
independente. A Liga dos Povos Livres que havia se configurado como um projeto
revolucionário agregador das populações indígenas entrou em declínio após o exílio de
José Artigas no Paraguai em 1820. Além disso, chegou ao fim a Monarquia restaurada
na Espanha. No entanto, estes projetos políticos seguiram influenciando os
posicionamentos políticos das populações indígenas da região do Prata.
Assim, levamos em conta na análise a premissa formulada de José Carlos
Chiaramonte de que não se deve reduzir as disputas ocorridas no Rio da Prata a partir
do processo de independência à simples oposição entre «portenhos» e «provincianos»,
pois, dessa forma, se perde a substância política desses enfrentamentos. Como informa
o autor, essa simplificação impede de enxergar
la existencia de múltiples pueblos soberanos, postura basada en criterios relativos a la
naturaleza y formas de ejercicio del poder, que fundaban la legitimidad de ese poder y que,
además, conformaban lo fundamental de lo que podríamos llamar el imaginario político de
la época (Chiaramonte, Ciudades, 134).
ISADORA TALITA LUNARDI DIEHL; FELIPE SCHULZ PRAIA
FACULTAD DE HUMANIDADES Y CIENCIAS DE LA EDUCACIÓN, UNIVERSIDAD DE LA REPÚBLICA - 5 -
A partir disso, foi possível identificar uma variada gama de caminhos políticos
tomados pelos sujeitos indígenas no princípio da década de 1820, tendo alguns
mantido a adesão ao projeto republicano artiguista, mesmo que este estivesse em
decadência, e outros procurado se aproximar das monarquias ibéricas. Ainda é
possível perceber a agência indígena na conformação dos faccionalismos do período,
não como massa de manobra dos caudilhos locais, mas como sujeitos capazes de
priorizar seus anseios políticos e bolar estratégias para alcançá-los. Dessa forma, é
viável afirmar que, ao longo do período, a questão da manutenção dos territórios e dos
modos de vida dos guaranis perpassou muitos destes projetos, sendo, por vezes,
mobilizada a partir de uma concepção mais ampla, abarcando diferentes pueblos em
um projeto mais centralista de Província das Missões, e, em outros momentos,
aparecendo através da defesa da autonomia de unidades políticas menores, restrita a
estes mesmos pueblos.
2. Antecedentes: revolução e autonomia no espaço missioneiro
No princípio da 1820, os indígenas buscaram reconfigurações de seus projetos
políticos na região das Missões. Alguns mantinham-se atrelados ao projeto
revolucionário de Artigas, outros procuravam distanciar-se dele; e havia ainda aqueles
que procuraram estreitar os laços com as monarquias espanhola e portuguesa a fim
buscar melhores condições para desenvolver seus projetos políticos e, principalmente,
desembaraçar-se das consequências nefastas da década revolucionária precedente.
Durante o período 1810-1819 o território das antigas missões esteve no centro
das disputas travadas no Prata. O engajamento militar dos indígenas ao lado de
diferentes exércitos, as transformações das jurisdições às quais estavam submetidos
seus povoados e os deslocamentos promovidos pelas disputas territoriais
influenciaram na tomada de posições políticas destes sujeitos. A intenção de manter a
unidade do vice-reino do Rio da Prata por parte dos portenhos, após os acontecimentos
de 1810, tinha dois pontos fracos: a região das Missões e a Banda Oriental. Logo após
a proclamação da Junta de Governo em Buenos Aires, as lealdades foram divididas:
enquanto os indígenas das regiões de Yapejú e Concepción se alinharam aos portenhos,
os de Candelária e Santiago mantiveram-se atrelados à Assunção. Manuel Belgrano,
em nome do governo revolucionário de Buenos Aires, buscou, em 1810, negociar com
os guaranis um regime de liberdade que atraísse sua lealdade à Junta estabelecida na
CONCEPÇÕES POLÍTICAS INDÍGENAS DURANTE OS PROCESSOS DE INDEPENDÊNCIA
- 6 - CLAVES. REVISTA DE HISTORIA, VOL. 11, N.º 20 (ENERO - JUNIO 2025) - ISSN 2393-6584
capital portenha e pudesse dispor de sua mão de obra, mas não obteve sucesso (Maeder
131; Moreira Ribeiro da Silva e Melo 135-153).
Na Banda Oriental, Montevidéu tornou-se o último reduto realista sob o vice-
rei Xavier Elío. Em 1811, José Artigas, aliado às Províncias Unidas do Rio da Prata,
cercou a cidade, forçando Elío a pedir ajuda à Coroa portuguesa. O governo portenho
firmou um tratado de paz com os portugueses, ordenando Artigas a encerrar o cerco.
Contrariado, o líder oriental comandou o «Êxodo» de 850 famílias, incluindo muitos
guaranis e outros indígenas, para Salto Chico. As tensões entre Artigas e Buenos Aires
aumentaram, culminando na ruptura em 1814. Nesse contexto, Artigas concebeu seu
projeto político, que alcançou seu auge em 1815 com a formação da Liga dos Povos
Livres, reunindo várias províncias (Oriental, Entre Ríos, Corrientes, Missões, Córdoba
e Santa Fé).
Como observou Ana Frega («El artíguismo...» 128), o Sistema dos Povos Livres
era composto de pactos instáveis e ambíguos entre os grupos dirigentes (cabildos,
governadores e comandantes militares) e o chefe dos Orientais, sendo os limites
territoriais estabelecidos entre as diferentes unidades políticas que o compunham
bastante imprecisos. Ainda assim, esse projeto buscava uma aliança com o objetivo de
garantir «a los espacios provinciales tener su propia Constitución y gobierno, levantar
su propio ejército, disponer de sus recursos económicos (por ejemplo, de las tierras y
bienes de los enemigos), fijar impuestos y comerciar libremente» (Frega, «El
artiguismo», 131). Além disso, contou com forte engajamento das camadas mais
pobres da população, entre as quais estavam muitos guaranis, charruas e minuanos.
Isso porque o projeto artiguista contemplava aspirações de parte da população
indígena, como a posse da terra (Frega 2009).
Nesse sentido, José Artigas concebia a região das Missões como uma província
soberana, em pé de igualdade com as outras que faziam parte da Liga.
4
Por essa razão,
4
Dessa forma, devido às características desse programa político e, seguindo a linha interpretativa de
José Carlos Chiaramonte, podemos definir a proposta de organização do movimento artiguista como de
«tendência confederal», não podendo ser confundido, como por muito tempo o fez a historiografia
latinoamericana, com a noção de federalismo. Chiaramonte alertou que essa confusão se deu em função
da historiografia latinoamericana estar «apoyada en el uso de época que, hasta bien entrado el siglo
XIX, englobaba en la común denominación de federalismo cosas tan distintas como las confederaciones
y el Estado federal» (Chiaramonte, Ciudades… 140). Nesse sentido, o autor afirma que, em geral, a
literatura política da época criticava a ideia de confederação «por la escisión de la soberanía que está en
sus fundamentos y que daría cuenta de sus debilidades» (141), que essa ideia de soberanias
ISADORA TALITA LUNARDI DIEHL; FELIPE SCHULZ PRAIA
FACULTAD DE HUMANIDADES Y CIENCIAS DE LA EDUCACIÓN, UNIVERSIDAD DE LA REPÚBLICA - 7 -
expressa ―em diversos documentos― a sua vontade de que aquele espaço fosse
governado pelos próprios indígenas, que seriam os donos legítimos de seus povoados.
Em correspondência do ano de 1815 endereçada a José de Silva (à época governador
de Corrientes) o líder oriental afirma ter recebido reclamações dos «povos de índios»
de Santa Lucia, Itati e de las Garzas sobre a conduta de seus administradores, ao
que comenta: «Yo no lo creí extraño por ser una conducta tan inveterada: y ya es
preciso mudar esa conducta. Yo deseo que los indios en sus Pueblos se gobiernen por
si para que cuiden de sus intereses como nosotros de los nuestros».
5
No dia 27 de
agosto de 1815, ao enviar um ofício a Andresito Artigas explicando como esse deveria
proceder ao atacar os povoados missioneiros da costa do rio Paraná, afirma:
En esos pueblos del Departamento de Candelaria se guardará el mismo orden que
en los demás, desterrando de ellos a todos los europeos, y a los administradores
que hubieren, para que los naturales se gobiernen por sí, en sus pueblos (Cabral
360, grifo nosso).
Andrés Guacurary, o Andresito Artigas, indígena de origem guarani alçado a
Comandante Geral das Missões, foi o principal representante das ideias artiguistas na
região, entre os anos de 1815 e 1819. Nesse período empreendeu várias campanhas
contra tropas portuguesas, portenhas e paraguaias e buscou retomar os territórios
indígenas, fazendo com que esses se envolvessem ainda mais nas tramas políticas da
conformação das Independências.
Em 1816, o governo português, sob o comando do general Lécor, iniciou uma
nova intervenção na Banda Oriental, que foi incorporada ao Império português sob o
nome de Província Cisplatina. No ano seguinte o marechal Chagas, chefe das Missões
portuguesas, atacou as aldeias situadas entre o rio Uruguai e o rio Paraguai, na atual
Argentina, incendiando-as e fazendo com que grande parte dos habitantes fugissem da
região. Em decorrência destes episódios vários indígenas foram encarcerados em seus
povoados, em especial aqueles acusados de compactuar com Artigas. Outros indígenas
também se tornaram presos políticos após a derrota em campo de batalha. O
Comandante Geral das Missões, Andres Guacurary foi capturado em 1819. O projeto
revolucionário oriental entrou em declínio, 1820, após a Batalha de Tacuarembó, na
compartidas era admitida na tradição escolástica.
5
José Artigas a José de Silva. Paraná, 9 de maio de 1815, Archivo Artigas, Tomo XXIX, p. 57. Grifo nosso.
CONCEPÇÕES POLÍTICAS INDÍGENAS DURANTE OS PROCESSOS DE INDEPENDÊNCIA
- 8 - CLAVES. REVISTA DE HISTORIA, VOL. 11, N.º 20 (ENERO - JUNIO 2025) - ISSN 2393-6584
qual os portugueses, comandados pelo Conde da Figueira, venceram as tropas de José
Artigas, que se exilou no Paraguai.
3. Monarquia e Artiguismo: As escolhas políticas indígenas no início da
década de 1810
A existência de prisioneiros indígenas no Rio Grande do Sul foi relatada por
Auguste de Saint-Hilaire (17) quando viajou pela região em 1824. Apesar do naturalista
francês negar toda a possibilidade de cidadania aos povos indígenas, seus relatos
trazem elementos que permitem levantar algumas hipóteses sobre as razões políticas
dos indígenas para a manutenção da filiação ao programa de Artigas ao longo da
década de 1820, momento em que esse projeto já estava em franca decadência.
Em dois momentos o naturalista se deparou com indígenas detidos que haviam
pertencido às tropas de Artigas. Primeiro em Torres, litoral do Rio Grande do Sul, e
depois na capital da província: Porto Alegre. Nos dois casos relatou que esses
prisioneiros tinham origens em vários territórios (Missões, Entre-Rios e Paraguai) e
que atuavam como peões, atribuindo seu engajamento aos exércitos artiguista ao seu
«gosto pela pilhagem» e para apoderarem-se do gado das estâncias portuguesas.
Porém, quando questionados sobre os motivos da adesão a Artigas teriam respondido
que «foram obrigados» (Saint-Hilaire 17, 29-30).
Outro prisioneiro entrevistado por Saint-Hilaire (31) foi um menino guarani,
ex-pífaro nas tropas de Artigas, que, após ser capturado, trabalhava na casa do
governador Conde da Figueira. Quando perguntado se preferia ficar ali ou voltar para
Artigas, respondeu que queria retornar ao líder oriental para rever sua mãe. Saint-
Hilaire, porém, interpretou a resposta como uma tentativa de não ofender o Conde e
acreditava que o verdadeiro motivo era o desejo pela «liberdade» típica da vida
indígena.
Através destes relatos podemos perceber que os motivos elencados pelos
próprios indígenas revelam escolhas políticas. Um aspecto central apresentado é a
possibilidade de obter gado através do engajamento no exército artiguista. Essa foi
uma opção prática de adesão política em um momento crítico em que as antigas
estâncias guaranis vinham sendo desmembradas, saqueadas e pilhadas e que as
comunidades encontravam dificuldades para manter sua subsistência. Além disso,
ISADORA TALITA LUNARDI DIEHL; FELIPE SCHULZ PRAIA
FACULTAD DE HUMANIDADES Y CIENCIAS DE LA EDUCACIÓN, UNIVERSIDAD DE LA REPÚBLICA - 9 -
como mostra o relato, grande parte destes indígenas atuavam como peões em estâncias
da região, o que lhes dava pouca autonomia de trabalho e a dificuldade de manutenção
das suas comunidades. De fato, os dados de processos criminais do Rio Grande do Sul
entre 1779 e 1834 demonstram que a maioria dos que se declaram como «peões» eram
indígenas, muitos deles oriundos de várias partes do território missioneiro. Com a
desagregação das comunidades guaranis nas primeiras décadas do oitocentos,
fomentou-se o emprego de indígenas como trabalhadores da pecuária (Lunardi Diehl;
Osório 2021).
O desejo de controlar o acesso dos indígenas ao gado da campanha foi tema das
correspondências de diversos administradores de fronteira durante os anos de 1810-
1820 (Moreira Ribeiro da Silva e Melo 2017). E seguiu sendo uma preocupação das
autoridades sul-rio-grandenses em relação aos indígenas ao longo da década de 1820-
1830 (Lunardi Diehl; Osório 2021). A correspondência do comandante das «Missões
brasileiras», no início dos anos de 1830, aponta as relações entre os aspectos aqui
elencados: os indígenas eram vistos como obstáculos à formação de fronteiras
nacionais, pois desertavam dos exércitos, usavam gado das antigas missões, não se
filiavam aos governos que procuravam se instituir e incentivavam outros soldados a
desertarem:
Por termos daquele lado uma porção de índios alçados, uns desertores do nosso exército, e
outros do Argentino, e que estes índios para ali se tem aquilombado, fazendo toda a sorte
de insultos em tempos de Guerra; e não duvido que eles sempre que passam queiram tentar
algum roubo para esta banda, uma vez tenham lugar, por serem uma gente que o quer
dar obediência deste lado, e nem aquele governo da Província de Entre Rios e Corrientes,
correspondente aos terrenos por onde os sobreditos índios alçados andam; acresce mais o
muito que do prejudiciais termos nós na frente uma gente que só são capazes de fazerem o
mal que podem e seduzem os nossos soldados para se juntarem a eles e desta forma irão
ali crescendo maior o número de salteadores.
6
Além disso, ao comparar seus refúgios aos quilombos de escravizados fugitivos,
as autoridades reforçavam a ideia de que os indígenas representavam uma ameaça à
ordem social estabelecida e revelam que de fato a questão da liberdade era um aspecto
central na escolha da filiação ou o a um projeto sociopolítico por parte destes
6
Ofício de Manuel Silva Pereira do Lago, tenente-coronel administrador geral dos Povos de Missões,
para Caetano Maria Lopes Gama, presidente da província, Quartel em S. Francisco de Borja, 5 de janeiro
de 1830. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Fundo Autoridades Militares. Maço 114. Grifo nosso.
CONCEPÇÕES POLÍTICAS INDÍGENAS DURANTE OS PROCESSOS DE INDEPENDÊNCIA
- 10 - CLAVES. REVISTA DE HISTORIA, VOL. 11, N.º 20 (ENERO - JUNIO 2025) - ISSN 2393-6584
sujeitos.
De fato, a própria análise de Saint-Hilaire destaca esse «desejo de liberdade»
que, ao contrário do que foi capaz de perceber o botânico francês, estava também
relacionada à possibilidade de estarem próximos de suas famílias. Como apontou
Moreira Ribeiro da Silva e Melo (270), José Artigas foi uma das lideranças capazes de
compreender o quanto os indígenas prezavam pela manutenção das mulheres e das
crianças junto aos exércitos e, por isso, angariou apoio dos setores populares
interessados em atuar de forma mais autônoma e de acordo com seus interesses
coletivos. Durante as décadas de 1820-1830 as esposas seguiram acompanhando os
soldados guaranis, apesar de que esse hábito não era bem-visto por todas as lideranças
militares, como constatou Saint-Hilaire:
Os lanceiros guaranis, que conheci em Belém, todos traziam suas esposas e, quando
soldados-índios das Missões vão fazer guarda em algum lugar, é sempre em companhia de
suas mulheres, embora isso seja totalmente contrário às ordens do marechal-de-Campo
Chagas, que comanda nas Missões (Saint-Hilaire, 254, grifos nossos).
Esses anseios políticos, para alguns dos indígenas, seguiam ligados à imagem
de Artigas na década de 1820. Como Saint-Hilaire explicitou, o líder tinha a capacidade
de cativar os setores populares em seu projeto político justamente pela proximidade
com que se colocava:
É incontestável, aliás, que Artigas tem particular habilidade para se fazer estimado dos
índios e dos camponeses; […] possuí os mesmos costumes dos índios; sabe montar tão bem
quanto eles, vive do mesmo modo, veste-se com extrema simplicidade; repete aos soldados
que trabalha para assegurar-lhes a independência e a de seus filhos. Quando sofre
qualquer revés, chora com eles e diz-lhes que é infeliz (Saint-Hilaire, 31-32, grifo nosso).
O depoimento de Andrés Guacurary, o Andresito Artigas, líder guarani do
exército artiguista e ex-comandante dos «15 pueblos de Misiones» mostra a
importância dessa proximidade pessoal com Artigas na adesão e manutenção dos
projetos políticos. Andresito foi preso após invadir São Borja e São Nicolau, no lado
português. Em 1821 escreveu uma carta para D. João VI em que denunciava sua
precária situação. Após um ano e quatro meses sob rígida prisão, incomunicável, foi
posto em liberdade, sem processo nem sentença. Na correspondência reclamava a
situação de miséria e a impossibilidade de retornar ao seu país natal sem o auxílio
ISADORA TALITA LUNARDI DIEHL; FELIPE SCHULZ PRAIA
FACULTAD DE HUMANIDADES Y CIENCIAS DE LA EDUCACIÓN, UNIVERSIDAD DE LA REPÚBLICA - 11 -
daquele que, segundo ele, «sempre chamou de pai»: Dom José Artigas.
7
Ao que consta
o coronel Andrés Guacurary nunca retornou às Missões e talvez tenha falecido no Rio
de Janeiro. O teor de sua carta, no entanto, revela a importância dos vínculos pessoais
e comunitários na manutenção dos projetos políticos dos guaranis e a impossibilidade,
inclusive material, de seguir adiante com tais projetos.
Outros indígenas, também presos no Rio de Janeiro no início dos anos vinte,
diante de uma situação semelhante teceram uma estratégia de aproximação com a
monarquia espanhola. Estes prisioneiros recorreram ao embaixador espanhol Conde
de Casa Flores, que buscava articular na Corte portuguesa um movimento de
recolonização das colônias espanholas a partir da restauração da Constituição de
Cádiz, para interceder pela sua liberdade (Frega 2009). Nas listas enviadas ao
embaixador, com os nomes dos «espanhóis americanos» que solicitaram sua
intervenção em favor da própria liberdade, constam diversos indígenas. No navío
Príncipe do Brasil, por exemplo, seis «índios» que «son misioneros, pero imploran a
S. E a fin de poner-los en libertad».
8
Na carta escrita pelos detidos na Ilha das Cobras do pueblo de Santa Cruz,
Casemiro Taperý, Juan Manuel Toledo e José Leon ao embaixador vemos como os
indígenas estruturaram sua filiação à Monarquia e seu distanciamento dos projetos
que visavam romper com a metrópole:
Sus suplicantes son indígenas de aquellas reducciones, reconocidas por las leyes del Reyno,
como españoles, y por la Constitución de las Monarquías elevados à la clase de hombres
libres, iguales en derechos a todos los españoles. Con este carácter vivíamos en nuestro
país natal sin intervenir en las convulsiones políticas cual sobrevivieron en las otras
Provincias; cuando en medio de la paz más profunda, hemos sido invadidos por los
soldados de Rey del Brasil (siendo se les ha informado) al mando de un jefe llamado
Chagas.
9
7
Archivo Histórico Nacional-Madrid (AHN-M). Fundo Estado. Legajo/Sección 3768, Maço 5, Legación
1818-1821. Memoriales y correspondências sobre prisioneros (leg.3768- 3). Carta de Andrés Artigas a
D. João VI. Corte do Rio de Janeiro, 4 de maio de 1821.
8
Relación de los Españoles Americanos que se receballan presos en el Navio Príncipe de Brasil. AHN-
M. Fundo Estado. Legajo/Sección 3768, Maço 5, Legación 1818-1821. Memoriales y correspondências
sobre prisioneros (leg. 3768- 3).
9
Carta de Casemiro Taperý, Juan Manuel Toledo, José Leon ao embaixador espanhol Conde de Casa
Flores. Ilha das Cobras, Rio de Janeiro, 18/10/1820. AHN-M. Fundo Estado. Legajo/Sección 3768 (Caja
1), Maço 7, legación 1820. Grifos nossos.
CONCEPÇÕES POLÍTICAS INDÍGENAS DURANTE OS PROCESSOS DE INDEPENDÊNCIA
- 12 - CLAVES. REVISTA DE HISTORIA, VOL. 11, N.º 20 (ENERO - JUNIO 2025) - ISSN 2393-6584
Os autores descrevem as atrocidades cometidas pelas tropas do comandante
Francisco das Chagas Santos: a queima de suas lavouras, o roubo do gado, o incêndio
das casas, a profanação e saque dos ornamentos e altares das igrejas, a degola de
mulheres e crianças e o apresamento de pessoas para serem vendidos como escravos
no Brasil. Os indígenas procuraram se colocar como vítimas das pretensões
expansionistas luso-brasileiras, pois, alegaram viver pacificamente e não ter
envolvimentos em questões políticas. Ainda assim, relataram que foram levados
amarrados e nus aos outros pueblos indígenas e depois enviados à cadeia no Rio de
Janeiro.
Não podemos afirmar quais teriam sido as filiações políticas anteriores destes
três indígenas. Talvez o fato de terem sido escolhidos como exemplos a serem levados
aos outros povos dos missioneiros para intimi-los signifique que, ao menos no
entendimento do comandante Chagas, eles fossem partidários de Artigas. Porém,
estando presos vários meses e sem a possibilidade de se comunicarem, porque
falavam e escreviam apenas em guarani, viram na chegada de um outro preso com
quem conseguiam se comunicar, Dom Vicente Sasor, a oportunidade de se
reposicionar politicamente. Sasor teria lhes informado das «disposições paternais» de
D. Fernando VII e do «esplendor e da glória» que figurava na Espanha após o
reestabelecimento da monarquia. Diante deste cenário, eles suplicavam ajuda ao rei,
colocando-se como seus fiéis vassalos da Coroa espanhola e dispostos a tomar em
armas contra todos seus inimigos. Além disso, os autores reconheceram a Constituição
de Cádiz e reafirmam-se como espanhóis:
Privados como nos hallamos de nuestra libertad para presentarnos ante a V.E a fuera y
aceptar la Constitución Política de la Monarquía Española, le suplicamos se digne recibir
este testimonio de nuestra voluntária y espontanea declaración de aceptar como de hecho
lo hacemos el expresado código nacional; y aun que no podamos expresar suficientemente
nuestros deseos, esperamos que V. E será el intérprete de nuestros sentimientos. En su
mérito.
A V. E. suplicamos se sirva pedir al Gobierno de su S.M.I que en atención que somos
españoles, que en nada ofendimos a los vasallos portugueses y nos restituya en nuestras
casas y heredades, como es de justicia.
10
10
Carta de Casemiro Taperý, Juan Manuel Toledo, José Leon ao embaixador espanhol Conde de Casa
Flores. Ilha das Cobras, Rio de Janeiro, 18 de outubro de 1820. AHN-M. Fundo Estado. Legajo/Sección
ISADORA TALITA LUNARDI DIEHL; FELIPE SCHULZ PRAIA
FACULTAD DE HUMANIDADES Y CIENCIAS DE LA EDUCACIÓN, UNIVERSIDAD DE LA REPÚBLICA - 13 -
No ano de 1820, os indígenas de São Borja também buscaram a aproximação
com a monarquia, mas neste caso a de Portugal. Setenta guaranis daquele povo, que
ficava na margem ocidental do rio Uruguai, juraram obediência ao Rei de Portugal e à
constituição promulgada pelas Cortes. Os documentos contêm várias assinaturas de
guaranis, muitos deles oficiais do exército e funcionários do cabildo daquele povo
(Pereira Ribeiro 56).
Essas articulações políticas dos indígenas aos projetos das monarquias ibéricas
ocorreram, como se vê, em paralelo às revoluções liberais europeias e exigiam também
dos sujeitos deste lado do Atlântico a afirmação do respeito às Constituições. No
entanto, esses movimentos que observamos aqui são resquícios tardios dos intentos
monárquicos europeus na América. Como salientou François-Xavier Guerra (341-346)
as Cortes de Cádiz selaram a perspectiva de um Estado unitário para a Espanha, que
excluía de forma definitiva a possibilidade de manter os reinos das Índias dentro da
Monarquia. Somente na segunda revolução liberal espanhola, em 1821, se proporia um
plano de uma Monarquia plural, com instituições americanas representativas
próprias, mas então o governo de Fernando VII não conseguiria restaurar sua
influência na região do Prata e, ao longo da década, as vantagens políticas de se atrelar
à Coroa espanhola perderam força. Assim, a década de 1820 é entendida por
Chiaramonte (Ciudades) como um momento em que ocorria a progressiva
incompatibilidade dos cabildos com um regime representativo que buscava basear-se
na figura da moderna cidadania, constituída de um povo. O autor salienta que as
reformas do período dão continuidade às concepções eclesiásticas e intelectuais de
longo prazo da América Hispânica que distinguia na quantidade de representantes e
no processo eleitoral o campo e a cidade, trazendo como resposta o faccionalismo.
O juramento dos guaranis de São Borja a D. João VI e às Cortes portuguesas
também não pode ter uma longa vigência já que, tempos depois, iniciou-se o processo
de Independência do Brasil. No entanto, cabe salientar que quando essa lealdade foi
firmada esse destino político ainda não estava traçado. Apesar da manutenção da
monarquia, a separação de Portugal ensejou novas definições políticas e intelectuais
que refletiram no destino das populações indígenas. Para John Manuel Monteiro (31),
esse momento revela o dilema antropológico de conciliar os ideais de igualdade
3768 (Caja 1), Maço 7, legación 1820. Grifos nossos.
CONCEPÇÕES POLÍTICAS INDÍGENAS DURANTE OS PROCESSOS DE INDEPENDÊNCIA
- 14 - CLAVES. REVISTA DE HISTORIA, VOL. 11, N.º 20 (ENERO - JUNIO 2025) - ISSN 2393-6584
iluminista com as emergentes teorias raciais e de degeneração, além do impasse
político de exaltar o caráter mestiço da identidade americana como forma de se afastar
das origens portuguesas, ao mesmo tempo em que se mantinha uma percepção
negativa dos indígenas contemporâneos.
Assim, ainda que a Constituição de 1824 tenha tornado o processo eleitoral mais
acessível, com ampla participação popular, ela não contemplava explicitamente as
possibilidades de os indígenas exercerem a cidadania. Maria Hilda Baqueiro Paraíso
(2) identificou nessa legislação o desejo das elites de suprimir a diversidade étnica em
favor da construção de uma unidade nacional, caracterizando-a como excludente no
que diz respeito ao exercício da cidadania. Por outro lado, Mônica Duarte Dantas (36)
pondera que os indígenas considerados «mansos» e integrados à nação poderiam, em
tese, gozar dos mesmos direitos de participação previstos na Constituição de 1824.
Ainda assim, a autora ressalta a existência de obstáculos ―inclusive normativos― que
dificultaram a efetivação dessa participação.
4. Indígenas e o faccionalismo da década de 1820
Neste contexto de tão rápidas transformações, mais uma vez tornou-se
imperioso aos sujeitos indígenas se realinharem às realidades políticas e sociais que se
colocavam e, neste caso, assumir posições diante do faccionalismo crescente. O
episódio de rompimento da aliança entre o então intitulado Supremo Gobernador da
República Entrerriana, Francisco Ramírez, e o líder indígena e Comandante Geral das
Missões, Francisco Javier Sití, aponta para a agência e a autonomia indígena nas
concepções políticas sobre o território das Missões.
Após a derrota de José Artigas, Ramírez e Sití haviam firmado um acordo em
que o território missioneiro (incluindo, nesse momento, os povoados recém fundados
de Asunción del Cambay, San Roquito, San Miguel e Loreto) estaria sob «proteção»
da província de Entre Ríos. No entanto, enquanto Ramírez entendia que o pacto
significava a subordinação total de Missões às suas ordens, Sití não demonstrava a
mesma compreensão, já que concebia, como mencionam Jorge Machón e Oscar Daniel
Cantero (87), que «Misiones era una provincia autónoma y soberana en el orden
interno».
ISADORA TALITA LUNARDI DIEHL; FELIPE SCHULZ PRAIA
FACULTAD DE HUMANIDADES Y CIENCIAS DE LA EDUCACIÓN, UNIVERSIDAD DE LA REPÚBLICA - 15 -
Em 1820, Sití escreveu,
11
para Ramírez contestando as intenções desse de
estabelecer seu quartel general no povoado de Candelária. O objetivo do líder
entrerriano era explorar os ervais naturais situados nessa região e que haviam sido
deixados para trás pelas famílias indígenas fugidas da destruição promovida por tropas
paraguaias, durante o ano de 1817.
12
Esse movimento foi percebido por Sití que
justificou sua oposição argumentando, até mesmo com pinceladas de ironia, que os
donos legítimos daqueles territórios eram os próprios indígenas:
A consecuencia del espíritu del oficio de V.E. dictado a 31 del próximo pasado, quedo
impuesto haber quedado V.E. convencidísimo sobre la belleza y fertilidad de la Provincia
de Misiones, aunque sea por las noticias verdaderas, pues qdiré yo y todos los indios que
por espacio de más de siglos han gozado los frutos de su país, adonde tienen perdidos todos
sus intereses y templos, que son tan alta importancia. Bajo esta virtud todos los indios
reclaman su territorio, adonde cesarán las continuas quejas de los paisanos y a donde se
conservará nuestra muy interesante paz y quietudes, según el muy honroso tratado de
ambas provincias.
13
Percebe-se que Sití entendia que quem deveria usufruir daquele território
seriam os próprios indígenas que haviam sido obrigados a deixá-lo para trás depois de
perderem «todos sus intereses y templos» em função da destruição promovidas pelos
paraguaios. Em outro manuscrito, endereçada ao padre Isidro Sosa, a liderança
indígena explica que marchava em direção à região dos ervais e pretendia repovoar
aquele espaço, estabelecendo uma capital em Santo Tomé, um contingente
11
A respeito da alfabetização de indígenas no espaço missioneiro, Eduardo Neumann afirma que foi um
mecanismo fundamental no processo de evangelização e, inicialmente, era restrita a caciques e àqueles
que os jesuítas julgavam aptos para obter a instrução. Dessa forma, «as potencialidades da cultura
escrita estão mais acessíveis àqueles que integravam a elite missioneira, no caso corregedores,
capitães, mayordomos (administradores) e secretários» (Neumann 30). Ainda assim, o autor recorda
que o convívio com as práticas letradas mesmo por parte daqueles que não eram alfabetizados― acaba
por gerar efeitos sobre toda a coletividade, estabelecendo-se uma crença nos valores do escrito. A partir
dessas informações, é possível deduzir que Sití provavelmente ocupava uma posição de liderança,
mesmo antes dos eventos aqui abordados.
12
No ano de 1817, o governo paraguaio aproveitou-se das derrotas de Andresito Artigas para as tropas
portuguesas e ordenou a evacuação dos habitantes dos cinco povoados que compunham o departamento
de Concepción e, em seguida, ordenou a destruição, com a intenção de «evitar la propagación de la
guerra al territorio paraguayo, dejando en pos de una región despoblada y sin recursos» (Maeder
254).
13
Aqui utilizamos de uma transcrição desse documento presente em Machón y Cantero (100). Ao
transcrevê-lo, os autores atualizaram a ortografia. O documento original que se encontra no Archivo
General de la Provincia de Corrientes (Francisco Javier Sití a Francisco Ramírez, 11 de novembro de
1820, Archivo General de la Provincia de Corrientes [AGPC], Correspondencia Oficial, tomo 10) está
bastante deteriorado, mas ao comparamos a transcrição com a versão original, parece-nos que não
grande incompatibilidade. Provavelmente quando os autores consultaram esse manuscrito, ele o se
achava tão danificado.
CONCEPÇÕES POLÍTICAS INDÍGENAS DURANTE OS PROCESSOS DE INDEPENDÊNCIA
- 16 - CLAVES. REVISTA DE HISTORIA, VOL. 11, N.º 20 (ENERO - JUNIO 2025) - ISSN 2393-6584
populacional em São José, além daquele já existente em Asunción del Cambay (que era
considerada, até aquele momento, a capital da Província de Missões). Buscando
legitimar suas ações, Sití afirma que estava empreendendo essa marcha «con todo lo
vecindario que eran de los quince Pueblos, para nuevamente poblar las Misiones».
14
Dessa forma, reforçava que seu plano de reconstrução tinha como principal objetivo
devolver as terras àqueles que ele entendia que eram seus verdadeiros donos.
Em carta escrita a Ramírez dois dias antes, Sití havia comunicado ao caudilho
enterriano que seu plano estava em marcha e insistia na justificativa de que os ervais
deveriam ser trabalhados pelos «naturales», que eram os legítimos proprietários
daquelas terras e que se encontravam em uma situação econômica e política difícil:
Yo con mi fuerza, y todos los naturales voy internarme al centro de las Misiones adonde
cubrirán mis fuerzas los puntos precisos de este modo trabajaran los naturales con más
sosiego: Por lo que toca al beneficio de la yerba que intenta V.E. hacer trabajar, digo los
naturales que es su dueño legítimo [sic] de su terreno y sus frutos se hallan en fatales
miserias, y [ilegível] en tan suma necesidad, que sin tener amparo de ninguna parte
reclama aprovechar de sus sudor y sangre que solo es el primer fruto que mis hijos han de
remediar sus indispensables necesidad [danificado] la yerba.
15
Nesse trecho, fica explícita a aproximação de Sití com uma noção de
«autogoverno» preconizada pelo projeto político de José Artigas e defendido, em anos
anteriores, por Andresito Artigas e outros líderes indígenas no espaço missioneiro.
16
Como mencionado anteriormente, o Sistema dos Povos Livres constituiu-se com base
na ideia de que as províncias eram livres para estabelecerem pactos entre si, sem abrir
mão de suas autonomias. A região das Missões não fugiria a essa regra e era entendida
como uma província autônoma, em que cabia aos próprios indígenas assumirem o
governo de seu território.
Ao se referir aos «índios» (chamando-os inclusive de «hijos») em diversas
passagens, Francisco Javier Sití também demonstra a ideia de que sua autoridade está
baseada na vontade de seu pueblo, lançando mão de uma justificativa comum para
14
Francisco Javier Sití a Isidro Sosa, 19 de novembro de 1820. AGPC, Correspondencia Oficial, tomo 10.
15
Francisco Javier Sití a Francisco Ramírez, 17 de novembro de 1820. AGPC, Correspondencia Oficial,
tomo 10.
16
Para uma análise mais aprofundada a respeito de como Andresito Artigas e outras lideranças
indígenas interpretaram os conflitos ocorridos logo da eclosão dos movimentos independentistas no
espaço do Rio da Prata, entre os anos de 1812 e 1821. Sobre o assunto ver Schulz Praia (2017).
ISADORA TALITA LUNARDI DIEHL; FELIPE SCHULZ PRAIA
FACULTAD DE HUMANIDADES Y CIENCIAS DE LA EDUCACIÓN, UNIVERSIDAD DE LA REPÚBLICA - 17 -
defender a soberania de unidades políticas autônomas no período pós-independência.
Como propôs José Carlos Chiaramonte, a partir dos movimentos de independência
ocorridos no espaço hispano-americano, o problema mais urgente a ser enfrentado por
suas lideranças era a necessidade de substituir a legitimidade atribuída à monarquia
castelhana. Nesse sentido, «la nueva legitimidad se buscó por medio de la
prevaleciente doctrina de la reasunción del poder por los pueblos» (Chiaramonte,
«Notas y debates» 149). Como informa Mónica Quijada, a ideia de «retroversão da
soberania» baseia-se no princípio de que «toda autoridad política es inherente a la
comunidad» (34-35) e é esta última que a transfere a um governante por um ato de
consentimento.
17
Assim,
mientras la soberanía originaria del pueblo y su traspaso al príncipe no era, para los
protagonistas de los sucesos de la Independencia, más que la ficción jurídica con que
legitimaban su actuar y no un hecho real del pasado americano , la constitución de las
nuevas autoridades emanadas directamente de ese pueblo era, en cambio, un acto concreto
de ejercicio de la soberanía (Quijada 136).
Com base nas colocações de Chiaramonte e de Quijada é possível inferir,
portanto, que o líder indígena, ao explicitar a legitimidade de sua autoridade,
justificava a soberania do território missioneiro, situando-o como independente em
relação à República Entrerriana e em relação a qualquer outra unidade política. Além
disso, postava-se como um «chefe» que buscava negociar em condições de igualdade
com Francisco Ramírez. Esse último aspecto fica ainda mais evidente quando Sití
«recorda» ao seu interlocutor os motivos que o levou a romper com o projeto político
de José Artigas no começo daquele mesmo ano de 1820: «Bien sabe V. todos hemos
sido subalternos del general Artigas, solo hemos dejado por que ya quiso ser Patriarca
para gobernar nuestras provincias a nuestras sanas ideas, y adelanto de nuestros hijos,
y de nuestras provincias».
18
Mais adiante, invocando o pacto entre as províncias,
encerrava sua carta exigindo medidas de Ramírez contra os correntinos que estavam
17
A autora trata de mostrar que essa transferência é entendida por alguns teóricos, já nos séculos XVI e
XVII, como passível de ser revogada e retornar à própria comunidade, quando esta sentia-se
prejudicada de alguma forma. É a partir dessa justificativa que se formaram as juntas governativas
(tanto na América, quanto na Espanha) durante as primeiras décadas do século XIX, em função do não
reconhecimento de José Bonaparte como rei da Espanha.
18
Francisco Javier Sití a Francisco Ramírez, 17 de novembro de 1820. AGPC, Correspondencia Oficial,
tomo 10.
CONCEPÇÕES POLÍTICAS INDÍGENAS DURANTE OS PROCESSOS DE INDEPENDÊNCIA
- 18 - CLAVES. REVISTA DE HISTORIA, VOL. 11, N.º 20 (ENERO - JUNIO 2025) - ISSN 2393-6584
extraindo erva-mate na região norte das Missões, que o faziam sem a autorização do
chefe daquele território:
Despache cien hombres al mando de un capitán, embargase quanta yerba hubiese acopiado
y animales que se encontrar porque al momento supe que los comandantes o jueces de las
jurisdicciones de Corrientes han mandado hacer yerba de su autoridad propria sin permiso
mío siendo yo Jefe, y dueño de mi suelo.
19
Ainda assim, Sití admitia que, através do pacto que realizaram, estava sob as
ordens de Ramírez e o que se pode observar é que essa submissão tinha razões
materiais: «Pues, considerando esta pobreza de mis hijos tuve tal coraje solicitar el
tratado de amistad [danificado] Provincias hallados antes de la acción de Mocoreta, y
así, vivo a gusto con su Dirección de V.E».
20
No que tange aos planos do então Comandante Geral das Missões, os
historiadores Machón e Cantero (94) afirmam que nem todos os habitantes dos
povoados indígenas aderiram à intenção de marchar em direção a Santo Tomé,
permanecendo grande parte dos indígenas em Asunción del Cambay, atitude seguida
também por aqueles que habitavam o povoado de San Roquito.
Na documentação presente no Arquivo Geral da Província de Corrientes,
encontra-se uma carta escrita por Francisco Sití ao «Comandante de San Roquito»
Juan Domingo Ybarori. O documento está bastante deteriorado e escrito em guarani
e, portanto, não é possível fazer afirmações contundentes a respeito de seu conteúdo.
No entanto, ela é um indício de que Sití estava, provavelmente, tentando angariar
apoio ao seu projeto.
21
Essa dedução pode ser feita ao nos remetermos a outra carta
escrita pelo próprio Domingo Ybarori para o caudilho entrerriano Francisco Ramírez.
Nela, Ybarori afirma que recebeu ameaças dos comandados de Francisco Sití para
19
Francisco Javier Sití a Francisco Ramírez, 17 de novembro de 1820. AGPC, Correspondencia Oficial,
tomo 10.
20
Francisco Javier Sití a Francisco Ramírez, 17 de novembro de 1820. AGPC, Correspondencia Oficial,
tomo 10. A ação de Mocoretá a que se refere Sití é a batalha ocorrida às margens do rio Mocoretá em
que José Artigas sofreu uma importante derrota, em fevereiro de 1820, depois de Sití e Ramírez
entrarem em acordo e se voltarem contra aquele que havia sido seu comandante até então.
21
Francisco Javier Sití a Domingo Ybarori, 16 de novembro de 1820. AGPC, Correspondencia Oficial,
tomo 10.
ISADORA TALITA LUNARDI DIEHL; FELIPE SCHULZ PRAIA
FACULTAD DE HUMANIDADES Y CIENCIAS DE LA EDUCACIÓN, UNIVERSIDAD DE LA REPÚBLICA - 19 -
aderir ao seu projeto e auxiliá-lo nos ataques que pretendia fazer a Ramírez.
22
Além disso, comenta que o «Capitão Nicolás» marchava, a mando de Sití, em
direção a São Borja, a fim de impedir os grupos de correntinos de beneficiar erva-mate
na região.
23
Por fim, Ybarori pede que Ramírez envie armas e munições para San
Roquito, garantindo que permaneceria ao seu lado no conflito que estava se
formando.
24
Ao que parece, os apelos da liderança de San Roquito foram atendidos, já
que há informações de que ele comandou tropas contra Sití (Machón e Cantero 96).
Os conflitos ocorreram entre novembro e dezembro de 1820 e, ainda que as
forças de Sití tenham conseguido algumas vitórias, os indígenas que permaneceram
em Asunción del Cambay se viram obrigados a cruzar o rio Uruguai e adentrar o
território português. Ao mesmo tempo, Sití e seus comandados sofreram uma
importante derrota em Santo Tomé para as tropas lideradas por Gregorio Piris, a
serviço da Republica Entrerriana. Em meio a isso, alguns indígenas conseguiram
evadir para São Borja e solicitaram refúgio aos portugueses (incluindo o próprio Sití),
enquanto outros perderam a vida em combate.
Como mencionado anteriormente, os povoados de Asunción del Cambay, San
Roquito, San Miguel e Loreto haviam sido fundados com contingentes guaranis
provenientes das comunidades destruídas durante o ano de 1817. Enquanto Cambay e
San Roquito contavam, em sua maioria, com indígenas emigrados de La Cruz e Yapeyú
(situados à margem ocidental do rio Uruguai), San Miguel e Loreto foram erigidas à
beira da lagoa Iberá com populações advindas dos povoados do Departamento de
Candelaria, destruídos pelos paraguaios e, mais tarde, cobiçados por seus ervais
naturais, como explicitado acima.
22
Domingo Ybarori a Francisco Ramírez, 20 de novembro de 1820. AGPC, Correspondencia Oficial,
tomo 10.
23
Domingo Ybarori a Francisco Ramírez, 20 de novembro de 1820. AGPC, Correspondencia Oficial,
tomo 10. Provavelmente Ybarori se refere aqui a Nicolás Aripí, que durante o ano de 1821 ocupou parte
dos antigos povoados da costa do rio Paraná, especialmente San Ignacio e Santa Ana. Desde esse local
tentou negociar com o então presidente paraguaio Gaspar de Francia a constituição de uma unidade
política autônoma, baseando-se na ideia de que aquele território era, por direito, pertencente aos
indígenas dos quais era o comandante. A experiência dirigida por Aripí chegou ao fim em dezembro de
1821, quando o Subdelegado de Itapua, Norberto Ortellado (a mando do governo paraguaio) conseguiu
impor a derrota final ao líder indígena. Para maiores informações a respeito desses episódios, consultar
Machón 1994.
24
Domingo Ybarori a Francisco Ramírez, 20 de novembro de 1820. AGPC, Correspondencia Oficial,
tomo 10.
CONCEPÇÕES POLÍTICAS INDÍGENAS DURANTE OS PROCESSOS DE INDEPENDÊNCIA
- 20 - CLAVES. REVISTA DE HISTORIA, VOL. 11, N.º 20 (ENERO - JUNIO 2025) - ISSN 2393-6584
Passados os conflitos entre Francisco Javier Sití e Francisco Ramírez, as
definições territoriais continuavam incertas e as lideranças indígenas desses recém
fundados pueblos foram impelidas a buscar estratégias distintas a fim de garantir a sua
existência política. A partir de então, essas comunidades optaram por buscar a
«proteção» de outras províncias, através da assinatura de pactos. Essa atitude foi
interpretada, em alguns casos, como a aceitação de sua condição de subordinados, o
que, consequentemente, teria levado à perda de sua autonomia.
25
No entanto, é
possível verificar no texto desses pedidos de proteção elaborados pelos indígenas, uma
concepção de que seus povoados não abriam mão de sua soberania ao realizar os pactos
referidos, exigindo inclusive a organização de suas localidades à maneira das antigas
reduções missioneiros.
No dia 6 de fevereiro de 1822, as lideranças de San Roquito solicitaram a
incorporação do povoado à jurisdição correntina através de uma carta endereçada ao
então governador dessa província, Juan José Blanco. Afirmavam que se achavam sem
nenhum auxílio em função de «no haver autoridad ni Gefe reconocido en Misiones de
donde hemos dependido, por lo que nos consideramos huerfanos y libres de las
obligaciones al Gobierno de Misiones».
26
Após essa justificativa, as autoridades
afirmam que a decisão foi tomada em consonância com « demas vecinos y habitantes
que componen este Pueblo». Dessa forma,
Despues de haver tratado con el mas maduro examen, que a nuestros intereses convienen
hemos resueltos todos decididamente por un convenio general unirnos a la Provincia de
Corrientes, sujetarnos a su Govierno con entera sumision y obedecer a su Govierno
Superior y estar obedientes a las Leyes que dicte: vivir en union con nuestros hermanos los
correntinos y componer una solo familia.
27
Em mais de uma oportunidade, reforça-se que o pedido realizado é a expressão
da vontade de todos os habitantes do povoado e a escrita da carta era fruto de uma
25
Essa visão é expressa, por exemplo, pelo historiador argentino Raul Fradkin. Ainda assim, o autor
admite que «pérdida de autonomía y subordinación no implicaron pasividad y algunas evidencias
sugieren que simltáneamente fue operando un proceso de repoblamiento del territorio misionero»
(Fradkin 255).
26
Pedido de autoridades indígenas de San Roquito por protección de Corrientes. AGCP,
Correspondencia Oficial, tomo 14.
27
Pedido de autoridades indígenas de San Roquito por protección de Corrientes. AGCP,
Correspondencia Oficial, tomo 14. Grifos nossos.
ISADORA TALITA LUNARDI DIEHL; FELIPE SCHULZ PRAIA
FACULTAD DE HUMANIDADES Y CIENCIAS DE LA EDUCACIÓN, UNIVERSIDAD DE LA REPÚBLICA - 21 -
escolha política do pueblo de San Roquito, como uma entidade autônoma, capaz de
tomar suas próprias decisões. Esse aspecto é relevante, pois ainda que as lideranças
indígenas insistissem que não havia autoridade reconhecida no governo das Missões,
em julho de 1821 o correntino Felix Aguirre (que havia lutado ao lado de Andresito
Artigas em anos anteriores) é nomeado pelo então governador de Corrientes (Evaristo
Carriegos, alinhado naquele momento ao mencionado Francisco Ramírez) como
«Comandante de San Miguel », ficando a cargo, assim, dos povoados de Cambay, San
Roquito, San Miguel, Loreto, La Cruz e Santo Tomé (Poenitz 43). em janeiro de
1822, na ocasião da assinatura do Tratado do Quadrilátero, Aguirre foi reconhecido
como Comandante Geral das Missões
28
e, a partir de então, buscou evitar que San
Roquito fosse incorporada a Corrientes. No entanto, enfrentou, ao longo de todo o ano,
rebeliões de seus habitantes que não o reconheciam como autoridade (Poenitz 45).
Deste modo, mesmo que manifestasse a vontade de obedecer a Corrientes e se
submeter às leis dessa província, a população de San Roquito demonstrava que suas
escolhas se baseavam em interesses próprios e na manutenção de sua autonomia, sem
aceitar a imposição de líderes que não contavam com seu apoio.
O processo de incorporação de San Roquito à província de Corrientes
ocorreria no ano de 1827 (Poenitz 1990). Durante esse mesmo ano, autoridades dos
povoados de San Miguel e Loreto lançaram mão da mesma estratégia. O corregedor
José Ramón Irá e o cacique don José Bayay (representantes de San Miguel), além do
secretário José Ignacio Guyraré (como mandatário de Loreto) foram ao encontro, no
dia 9 de outubro, do governador correntino Pedro Ferré propondo um pacto de
incorporação de ambos povoados ao território de Corrientes. Assim como no
documento escrito em 1822 em San Roquito, as autoridades de San Miguel e Loreto
fizeram questão de demonstrar que a decisão de apresentar o pedido de proteção foi
tomada em conjunto com os habitantes dessas localidades: «Habiendo vuelto sobre sí
nuestros Representados, y conocido palpablemente la necesidad de buscar una
28
O Tratado do Quadrilátero, assinado pelas províncias de Buenos Aires, Entre Ríos, Santa e
Corrientes, no dia 25 de janeiro de 1822, tinha por objetivo a formação de uma aliança defensiva contra
a possibilidade de um ataque comandado pelos portugueses a partir da Província Cisplatina. Apesar da
Província das Missões não ter participado em pé de igualdade com as outras entidades, Aguirre foi
reconhecido como autoridade daquele território e autorizado a eleger uma das províncias participantes
do acordo como sua “protetora”. Em função das pretensões territoriais tanto de Entre Ríos quanto de
Corrientes sobre os povoados missioneiros, Aguirre escolhe Santa e é justamente a intervenção do
governador dessa província que «contuvo las pretensiones de Corrientes de anexar San Miguel, y esto
consolidó a Aguirre como Comandante General de Misiones» (Machón e Cantero 120).
CONCEPÇÕES POLÍTICAS INDÍGENAS DURANTE OS PROCESSOS DE INDEPENDÊNCIA
- 22 - CLAVES. REVISTA DE HISTORIA, VOL. 11, N.º 20 (ENERO - JUNIO 2025) - ISSN 2393-6584
protección». Colocam-se, então, como «Representantes y Diputados al efecto de
aquellos pueblos» para negociar um pacto com Corrientes e demonstravam que a
legitimidade de suas autoridades partia da própria população.
Seguidamente, os indígenas elencam uma série de motivos que os levaram a
estabelecer o pacto, entre os quais, mencionam: a falta de auxílio tanto político, quanto
espiritual, a fome e a «desnudez» dos habitantes que acabam resultando na
imoralidade, na desordem e em repetidas convulsões. Dessa forma, buscavam meios
de garantir a
seguridad y tranquilidad, únicas capaces de proporcionarnos las ventajas de la agricultura,
que por otra parte se ha hecho ya tan difícil con la alternativa de males y circunstancias
terribles, que se experimentan a cada paso con el cambio no interrumpido de nuestro
régimen interior.
29
O texto evidencia a vontade dos habitantes de não sofrer mais com os
recorrentes conflitos militares que assolavam a região para poderem se dedicar à
agricultura. Para isso, era preciso cessar as distintas mudanças em seu «régimen
interior». Ao utilizarem essa expressão, as lideranças referiam-se ao modo de vida que
levavam em seus pueblos, baseados na organização vigente nas antigas reduções
guarani-jesuíticas. Nesse sentido, uma das suas primeiras reivindicações era a
presença de um padre para dar conta de suas necessidades espirituais. Isso fica
manifesto numa proclama escrita por Irá, Bayay e Guirayé ao anunciarem a assinatura
do pacto aos habitantes de San Miguel no dia 16 de outubro: «Hermanos, encontramos
nuestra felicidad, la de nuestra Provincia y demás habitantes, nuestros hermanos. Ya
lo veis pues que no tenemos ni un Pastor espiritual, nuestra primera necesidad».
30
Destaca-se nessa passagem a menção também à «nuestra Provincia», denotando
uma vez mais― o entendimento de que pertenciam a uma entidade autônoma e
soberana, ainda que tenham se submetido às leis de Corrientes.
Além disso, os indígenas de San Miguel e Loreto lograram, através do pacto, a
manutenção da estrutura de poder local até princípios da década de 1830 (Schaller
29
Pacto de 9 de octubre de 1827. AGCP, Correspondencia Oficial, tomo 38. Grifos nossos.
30
Circular de 16 de octubre de 1827. “Colección de datos y documentos referentes a Misiones como parte
integrante del território de la Provincia de Corrientes”, 194.
ISADORA TALITA LUNARDI DIEHL; FELIPE SCHULZ PRAIA
FACULTAD DE HUMANIDADES Y CIENCIAS DE LA EDUCACIÓN, UNIVERSIDAD DE LA REPÚBLICA - 23 -
540).
31
no ano de 1824, a constituição da Província de Corrientes determinou o
encerramento das atividades dos cabildos naqueles territórios que estavam sob sua
jurisdição, mas uma exceção foi aberta para o caso desses povoados indígenas.
Francisco Javier Lagraña, que foi nomeado Comandante Militar do Departamento de
San Miguel, em novembro de 1827, escreveu para o governador Pedro Ferré (no dia 25
desse mês) sugerindo que para poder estabelecer a ordem naqueles povoados era
necessário «remediar la exclusión del Cabildo y Corregedor, en donde se ocupan una
porción de mandones».
32
Mesmo assim, Ferré optou pela manutenção dos cabildos,
inclusive incentivando como demonstrado por Enrique Schaller (538)― os seus
membros a estabelecerem comunicação direta com o governo de Corrientes. Na
decisão do então governador correntino pesou a necessidade de contar com o apoio
das autoridades de San Miguel e Loreto, pois tinha a intenção de estender o território
dominado pela província de Corrientes, prevendo inclusive a incorporação como veio
a ocorrer em anos posteriores― de grande parte da região que antes era reconhecida
como a Províncias das Missões. O reconhecimento dos direitos territoriais correntinos
por parte dessas lideranças guaranis era um importante argumento que Ferré poderia
lançar mão para legitimar a incorporação do restante da região missioneira frente a
outras entidades políticas que também pretendiam ocupar aquele espaço, como Entre
Ríos e Santa Fé.
5. Um novo povo para os guaranis: a formação de Bella Unión
Se as lideranças dos pueblos de San Roquito e Loreto expressaram seus desejos
de autonomia como forma de manutenção de suas comunidades e modos de vida, em
1828 formou-se uma unidade guarani em torno de um novo projeto de comunidade.
Como destacou Oscar Padrón Favre, seguia latente o sonho dos missioneiros de
unificação dos povos Ocidentais e Orientais e a recuperação dos seus gados e terras.
No entanto, esse projeto precisava uma vez mais readaptar-se às circunstâncias
políticas. Assim, os indígenas das Missões Orientais e Ocidentais aproveitaram o
desejo de Fructuoso Rivera de constituir um Estado autônomo na Banda Oriental para
aliançarem-se com ele. Rivera havia mudado de lado várias vezes nos conflitos que
31
Durante a administração do governador José Rafael Atienza, entre 1833 e 1837, ocorreu a supressão
dos cabildos de San Miguel e Loreto.
32
Francisco Javier de Lagraña a Pedro Ferré, 25 de novembro de 1827. «Colección de datos y
documentos referentes a Misiones como parte integrante del territorio de la Provincia de Corrientes»,
197.
CONCEPÇÕES POLÍTICAS INDÍGENAS DURANTE OS PROCESSOS DE INDEPENDÊNCIA
- 24 - CLAVES. REVISTA DE HISTORIA, VOL. 11, N.º 20 (ENERO - JUNIO 2025) - ISSN 2393-6584
assolaram a região e, em 1828, empreendeu uma expedição independente às
Missões.
33
Nas Missões Ocidentais os guaranis firmaram o Acordo de Gavuyú, visando
a devolução do departamento de São Borja aos «naturais» (Padrón Favre 52). Em
seguida, algumas lideranças guaranis apoiaram Rivera e lhe declararam governador e
capitão-general da Província de Missões (Padrón Favre 53-55).
Entretanto, o Império do Brasil e as Províncias Unidas do Prata entraram em
acordo de paz que incluía a desocupação do território brasileiro. Diante da perspectiva
de mais uma vez perder a autonomia da região, milhares de guaranis promoveram um
êxodo para o que viria ser o Uruguai, fundando aldeia de Bella Unión.
34
No acordo que
consolidou essa migração, os guaranis reafirmavam a filiação a uma comunidade
indígena autônoma, detentora de direitos irredutíveis:
Á formar un pacto que sirva de base a la dicha reincorporación y establecimiento de los
Siete Pueblos, en el Territorio del Estado Oriental, sin renuncia o menoscabo de sus
derechos, al que dejan en la Provincia de Misiones, y deseando se miren siempre como una
propiedad de la Nación Indígena que los pobló, cultivó, mantuvo y gobierno hasta 1801.
35
O que podemos perceber é que a constituição de Bella Unión foi mais uma
escolha política dos indígenas que teve consequências para a história da independência
do Prata, já que Rivera dependia do apoio destes oito mil guaranis para assegurar as
fronteiras do Estado independente que proclamou em 1828. Para os guaranis, o acordo
firmado com Rivera, que havia lutado vários anos ao lado de Artigas, talvez tenha
significado uma esperança de retomada dos projetos que motivaram suas lutas
políticas na primeira década do oitocentos. Assim, buscaram aproveitar a aliança com
um militar que demonstrou estar atento aos seus anseios de manutenção da unidade
comunitária e da autonomia política.
Essa não foi uma escolha fácil e seus resultados eram imprevisíveis. De fato,
segundo Padrón Favre (68) os testemunhos escritos dos indígenas revelam o
sofrimento em abandonar os territórios dos Sete Povos, mas também apontam o
33
Fructuoso Rivera foi um dos principais militares a lutar ao lado de Artigas desde 1811 até 1820, quando
passou a colaborar com o exército luso-brasileiro. Em 1825 se juntou ao movimento dos Treinta y tres
orientales e passou a combater a ocupação brasileira da Banda Oriental. Em 1828 após a expedição para
as Missões, Rivera rompeu com os compatriotas atrelados às Províncias Unidas do Prata (Argentina),
como era o caso de Lavalleja, e formou um estado independente, proclamando a República do Uruguai.
34
Também chamada de Povo de Santa Rosa do Quaraí.
35
Archivo General de la Nación ex A, y M. C. 21. Apud Padrón Favre 69. Grifos nossos.
ISADORA TALITA LUNARDI DIEHL; FELIPE SCHULZ PRAIA
FACULTAD DE HUMANIDADES Y CIENCIAS DE LA EDUCACIÓN, UNIVERSIDAD DE LA REPÚBLICA - 25 -
rancor acumulado pelas sucessivas espoliações e violências sofridas desde 1801, que
atribuíam aos portugueses e brasileiros. Denunciavam a escravização, os castigos
físicos e a prostituição que vinham sendo submetidos, bem como o roubo dos seus
gados e de suas terras. Aceitavam, pois, incorporar-se ao Estado Oriental (Uruguai),
mas não renunciavam a seus antigos territórios, deixando clara a intenção de voltar
aos seus povos quando houvesse condições políticas para tal.
O fim do aldeamento de Bella Unión, em 1830, retoma os dilemas enfrentados
pelos indígenas desde o começo das revoluções que assolaram a região do Prata.
Naquele ano a fome começou a grassar entre os aldeados de Bella Unión produzindo
um motim (Padrón Favre 130). As distensões políticas envolviam acusações de roubo
de gado nas fronteiras com o Brasil (Frega 2009).
Mais uma vez os indígenas se mobilizaram politicamente. Diante da eminente
dissolução de Bella Unión, os guaranis escreveram um pedido de proteção à província
de Entre Rios para retornar para a «banda ocidental do Rio Uruguai». Nessa petição
eles informavam que o Estado Oriental (Uruguai) estava prestes a entrar em guerra
civil e que não queriam tomar parte deste conflito. Segundo os próprios guaranis a
escolha de filiação política a Entre Rios devia-se ao fato de aquela província ser a que
«mais os favoreceu na manutenção de seus direitos» e que cujo governador sabia ser
justo que os «Povos de Missões» recuperassem «seus terrenos usurpados de maneira
mais violenta» pelo governo de Corrientes. Sua petição também demonstra que se
entendiam como representantes políticos de uma província em de igualdade com
as outras, por isso, pediam a Entre Rios:
En esta confianza el Pueblo de Misiones se arroja a los brazos del de Entre Ríos para que
en favor de la justicia que le asiste, levante su voz y haga entender a la Provincia de
Corrientes que la de Misiones en todo es igual a ella, como miembro de la gran familia
argentina a la que corresponde y con la cual quiera estar siempre unida.
36
Terminavam sua petição ameaçando pegar em armas caso seus direitos não
fossem respeitados. Muitas das lideranças guaranis que assinaram a carta informaram
seus respectivos cargos, que remetiam às posições políticas que ocupavam nos antigos
cabildos (corrigidores), na administração indígena (cacique) ou às suas patentes
36
Pedido de proteção de líderes missioneiros a Entre Ríos, Bella Unión, 6 de maio de 1830. AGPC,
Correspondencia Oficial, tomo 51.
CONCEPÇÕES POLÍTICAS INDÍGENAS DURANTE OS PROCESSOS DE INDEPENDÊNCIA
- 26 - CLAVES. REVISTA DE HISTORIA, VOL. 11, N.º 20 (ENERO - JUNIO 2025) - ISSN 2393-6584
militares (capitães).
37
Paralelamente os indígenas das «antigas Missões ocidentais» conseguiram
firmar um acordo com os representantes da província de Corrientes. Dentre as
justificativas para o pacto estava o fato de estarem cansados de «errarem à mercê de
caudilhos que os proporcionaram mil males em vez da felicidade que aspiravam» e
informavam desejar viver «em tranquilidade». O governo de Corrientes, também
apresentou suas razões para o acordo: por reconhecer os guaranis como «argentinos»
e pelos serviços que prestaram à «Pátria», desejavam destinar-lhes um lugar fixo e
«salvo dos ataques».
38
No entanto, a década de 1830 esteve longe de representar a estabilidade e a
tranquilidade almejadas pelos povos indígenas. Novos faccionalismos e disputas
territoriais emergiram no conturbado contexto das independências no turbulento
contexto das Independências em construção. Os indígenas que retornaram a
Corrientes ou ao Rio Grande do Sul seguiram suas mobilizações políticas para
assegurar seus territórios, seus bens e sua autonomia política. Em 1832 ocorreu um
novo levante em Bella Unión, ao qual o governo respondeu duramente. Pouco depois,
Rivera deu ordens para transladar os guaranis para fundaram Durazno, onde
fundaram a aldeia de San Borja del Yÿ. Dos cerca de oito mil indígenas que tinham
participado do êxodo de 1828, apenas 900 foram contabilizados por um levantamento
feito em 1832. Neste censo, eles ainda foram distribuídos conforme seus povos
missioneiros de origem, mostrando a permanência duradoura deste laço social e
político (Padrón Favre 172-175).
6. Conclusões
Como pudemos observar os indígenas se posicionaram de múltiplas formas
diante dos processos disruptivos que ocorreram na década de 1820 na região do Prata
e, em especial, no antigo território missioneiro. Suas escolhas políticas estiveram
relacionadas às possibilidades colocadas em um contexto de constantes
transformações cujas respostas não foram, de forma alguma, homogêneas. Sujeitos e
37
Pedido de proteção de líderes missioneiros a Entre Ríos, Bella Unión, 6 de maio de 1830. AGPC,
Correspondencia Oficial, tomo 51.
38
Pactos celebrados Gob. Corrientes e habitantes Misiones Occidentales, 5 de maio de 1830. AGPC,
Correspondencia Oficial, tomo 51.
ISADORA TALITA LUNARDI DIEHL; FELIPE SCHULZ PRAIA
FACULTAD DE HUMANIDADES Y CIENCIAS DE LA EDUCACIÓN, UNIVERSIDAD DE LA REPÚBLICA - 27 -
comunidades indígenas propuseram acordos ou ruptura políticas, promoveram
migrações, filiaram-se a projetos provinciais ou «nacionais» buscando melhores
condições individuais ou coletivas, cujos resultados não estavam dados a priori.
No entanto, a despeito desta diversidade de posicionamentos, é possível
observar que a defesa da soberania das comunidades guarani guiou muitas das ações
indígenas aqui analisadas. Essa concepção política tomou formas plurais, desde ações
mais pragmáticas que visavam a obtenção de gado ou desencarceramento, passando
por deslocamentos massivos de seus povos de origem, até expressões políticas
propriamente ditas, que colocava as comunidades guaranis em de igualdade com
outras províncias ou ressaltava o direito de um pueblo indígena de governar-se a partir
de seus próprios termos.
O que podemos perceber é que as ações e concepções dos indígenas o eram
mero reflexo das orientações políticas dos caudilhos da região e não estavam
orientadas por nacionalidades prévias. Elas sem dúvida dialogaram com as ideologias
e projetos formulados dos dois lados do Atlântico, mas forjaram novas concepções
políticas que procuraram conformar um lugar para os indígenas nas nascentes nações
americanas. O fato de estas estratégias nem sempre terem sido bem-sucedidas ou não
terem resultado em um Estado-nação, não significa que as ações indígenas não tenham
sido constitutivas dos processos históricos que conformaram a América pós-colonial.
Como alertou Chiaramonte («Notas y debates»), os Estados surgidos do processo de
ruptura com as nações ibéricas não foram fruto de nacionalidades previamente
formadas, elas foram fruto de uma história de lutas, conflitos e conciliações, nas quais,
acrescentamos, os indígenas também foram protagonistas.
Fontes
Archivo Artigas, Montevidéu, Uruguay, tomo XXIX, 1997. «Colección de datos y
documentos referentes a Misiones como parte integrante del territorio de la
Provincia de Corrientes», Primera parte, Corrientes: Imprenta de La Verdad,
1877.
Archivo General de la Provincia de Corrientes. Corrientes, Argentina, Fondo
Correspondencia Oficial.
Archivo Histórico Nacional-Madrid. Madrid, Espanha, Fundo Estado, Sección 3768,
Legislación 1818-1821.
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Brasil, Fundo Autoridades
Militares, Maço 114.
CONCEPÇÕES POLÍTICAS INDÍGENAS DURANTE OS PROCESSOS DE INDEPENDÊNCIA
- 28 - CLAVES. REVISTA DE HISTORIA, VOL. 11, N.º 20 (ENERO - JUNIO 2025) - ISSN 2393-6584
Saint-Hilaire, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul [Tradução de Adroaldo
Mesquita da Costa]. Porto Alegre: ERUS, 1987 [1824].
Bibliografia
Albuquerque Dantas, Mariana. «O reverso da outra independência: participação
indígena no contexto político da década de 1820 (Cimbres, Pernambuco)».
Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n.º 82, 2022, pp. 19-35.
Baqueiro Paraíso, Maria Hilda. «Construindo o estado da exclusão: os índios
brasileiros e a Constituição de 1824». Revista Clio - Revista de Pesquisa
Histórica, nº. 28.2, 2011, pp. 1-17.
Cabral, Salvador. Andresito Artigas en la emancipación americana. Buenos Aires:
Corregidor, 4.a edição, 2014.
Chiaramonte, José Carlos. Ciudades, provincias, Estados: orígenes de la Nación
Argentina (1800-1846). Buenos Aires: Compañía Editora Espasa Calpe, 1997.
---. «Notas y debates: La formación de los Estados nacionales en Iberoamérica».
Boletín del Instituto de Historia Argentina y Americana Dr. Emilio Ravignani,
tercera serie, n.º 15, 1.er semestre, 1997, pp. 143-165.
Cloclet da Silva, Ana Rosa e Gabriel Cid. «As independências no Brasil e na América
Hispânica. História, memória e historiografia 200 anos depois». Revista
Brasileira de História, vol. 42, n.º 91, 2022, pp. 17-51.
Duarte Dantas, Mônica. «Constituição, poderes e cidadania na formação do Estado-
nacional brasileiro». Instituto Prometheus, organizador, Rumos da cidadania.
A crise da representação e a perda do espaço blico. São Paulo: Instituto
Prometheus, 2010, vol. 1, pp. 19-58.
Fradkin, Raúl. «La participación política popular en el litoral rioplatense durante el
siglo XIX. Notas y conjeturas». Em Raúl Fradkin e Gabriel Di Meglio,
compiladores, Hacer política: la participación popular en el siglo XIX
rioplatense. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2013, pp. 239-272.
Frega, Ana. «El artiguismo en la revolución del Río de la Plata. Algunas líneas de
trabajo sobre el Sistema de los pueblos libres». Em Ana Frega e Ariadna Islas,
coordenadores, Nuevas miradas en torno al artiguismo. Montevideo:
Departamento de Publicaciones, Facultad de Humanidades y Ciencias de la
Educación, Universidad de la República, 2001, pp. 125-144.
---. «La campaña militar de las Misiones en una perspectiva regional: lucha
política, disputas territoriales y conflictos étnico-sociales». Em Ana Frega,
coordenador, Historia regional e independencia del Uruguay: Proceso
histórico y revisión crítica de sus relatos. Montevideo: Ediciones de la Banda
Oriental, 2009, pp. 131-161.
Guerra, François-Xavier. Modernidad e independencias. Ensayos sobre las
revoluciones hispánicas. Madrid: Mapfre, 1992.
Lunardi Diehl, Isadora, e Helen Osório. «Os índios no gênero de peões ninguém os
excede. Utilização da mão de obra indígena e a expropriação de terras e gado
guarani no Rio Grande do Sul (1777-1835)». Acervo: Revista do Arquivo
Nacional, vol. 34, n.º 2, 2021, pp. 1- 22.
ISADORA TALITA LUNARDI DIEHL; FELIPE SCHULZ PRAIA
FACULTAD DE HUMANIDADES Y CIENCIAS DE LA EDUCACIÓN, UNIVERSIDAD DE LA REPÚBLICA - 29 -
Machón, Jorge. «Nicolas Aripi: capitán y comandante de la Provincia de Misiones».
Estudios Regionales, vol. 6, n.º 1, 1994, pp. 61-67.
Machón, Jorge, e Oscar Daniel Cantero. Misiones Provincia Federal. Posadas:
Editorial Universitaria, Universidad Nacional de Misiones, 2008.
Maeder, Ernesto J. A. Misiones del Paraguay: conflicto y disolución de la sociedad
guarani, 1768-1850. Madrid: Mapfre, 1992.
Monteiro, John Manuel. Tupis, Tapuias e Historiadores: Estudos de História
Indígena e do Indigenismo. Tese apresentada para o Concurso de Livre
Docência, Universidade Estadual de Campinas, 2001.
Moreira Ribeiro da Silva e Melo, Karina. Histórias indígenas em contextos de
formação dos Estados argentino, brasileiro e uruguaio: charruas, guaranis e
minuanos em fronteiras platinas (1801-1818). Tese (Doutorado em História).
Programa de Pós-Graduação em História. Universidade Estadual de Campinas.
Campinas, 2017.
Neumann, Eduardo. Letra de Índios. Cultura escrita, comunicação e memória
indígena nas Reduções do Paraguai. São Bernardo do Campo: Nhanduti
Editora, 2015.
Padrón Favre, Oscar. Ocaso de un pueblo indio: historia del éxodo guaraní-misionero
al Uruguay. Bella Unión, San Borja del Yÿ. Durazno: Tierra Adentro, 2009.
Pereira Ribeiro, Max Roberto. Estratégia indígenas na fronteira meridional: os
guaranis missioneiros após a conquista lusitana (Rio Grande de São Pedro,
1801-1834) Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre, 2013.
Poenitz, Alfredo. «San Roquito: un pueblo refugio de guaraníes dispersos (1819-87)».
Cuadernos de Geohistoria Regional, n.º 10, 1990, pp. 41-49.
Quijada, Mónica. «La potestas populi: una revisión del pensamiento político hispánico
y la Modernidad». Em Beatriz Bragoni e Sara E. Mata, compiladores, Entre la
colonia y la república: insurgencias, rebeliones y cultura política en América
del Sur. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2008, pp. 29-49.
Schaller, Enrique. «El gobierno de los pueblos guaraníes incorporados a la Provincia
de Corrientes (1827-1835)». VII Jornadas Internacionales sobre las Misiones
Jesuíticas. Resistencia, Chaco, 1998.
Schulz Praia, Felipe. Para que cada Pueblo se govierne por si: modernidade política
e atores indígenas no espaço do Rio da Prata (1810-1821). Dissertação:
PPGHIS/UFRGS, 2017.
Van Young, Eric. La otra rebelión. La lucha por la independencia de México. Ciudad
de México: Fondo de Cultura Económica, 2006.
Wilde, Guillermo. Religión y poder en las misiones de guaraníes. Buenos Aires: SB,
2009.